O DITO E O NÃO DITO
   15 de março de 2023   │     17:52  │  1

Ainda bem que não perdi, nesta manhã de 8 de março de 2023, a oportunidade de escutar as lições dos Professores Roberto Sarmento e Marcos Bernardes de Mello, em seus pronunciamentos na Academia Alagoana de Letras.
Roberto Sarmento a demonstrar, nos tim-tins, a verdade por trás da hoje tão euforicamente cultuada linguagem neutra, a ponto de haver quem tente fazer parecer que está em seu exercício a mágica que apagará os preconceitos, restaurará a solidariedade entre os homens e salvará a humanidade da autofagia.
A evidenciar, ainda, que uma língua, um dialeto, não é uma realidade artificialmente erigida por edito ou qualquer outro ato estatal, embora possa torná-la língua oficial (idioma) de uma coletividade politicamente organizada. O que, entretanto, não é criar. Na verdade, há, por trás da formação de cada língua, uma longa história de assimilação, mescla, adaptações fonéticas, ampliação e flutuação do vocabulário. Enfim, um processo lento, natural e evolutivo tangido pelas vivências e pela cultura e seus intercâmbios. O que impede transformações arbitrárias, imediatistas. Daí haver quem diga que quando morre um idioma morre também uma história.
Marcos Bernardes de Mello (com a autoridade de quem conhece o Direito de cima a baixo, de uma banda à outra, da frente para trás e de trás para a frente), a denunciar a realidade, nua e crua, do quanto a segurança jurídica, hoje, vem sendo comprometida por decisões judiciais emotivas e por vezes caprichosas. O que decorre do surto de entendimentos que repudiam a interpretação desapaixonada das leis, em favor de convicções formadas de encomenda, segundo as vertigens políticas e ideológicas do momento.
Enfim, uma construção jurisprudencial transitiva e temperamental: transitiva, quando se denuncia com a instabilidade típica da moda; temperamental, quando se confessa infectada por inclinações de grupos pontuais e a desacreditar os conceitos elementares que definem o abstrato e o geral como atributos essenciais das leis.
Ambos os expositores, impõe assinalar, repousados na simplicidade dos que não carecem da pompa dos caçadores de aplausos. E não carecem porque não são planetas invejosos do sol que os alumia nem cobram louvações pelo brilho que semeiam.
Também nos abriram os olhos para os sombrios tempos que hoje conhecemos: pensar virou ato subversivo da ordem pública; falar o que se pense… uma agressão aos domini da pátria; discordar dos gestores da verdade… um quase suicídio.
Enquanto isso: sufocar a razão alheia é compor um hino à liberdade; impor à maioria o que pensa qualquer grêmio que se condecore como minoria… um louvor à prevalência da vontade geral; espancar a Constituição, com o pretexto de resguardá-la… um gesto de patriotismo e de amor à democracia; mentir… uma nódoa que só macula os que contradizem as pregações dos fabricantes das verdades prontas e acabadas. Sem esquecer a prática mesquinha de inculpar o adversário por vícios detestáveis, o mais das vezes porque o detrator, ao tomá-lo como espelho, é a si mesmo que enxerga.
Brasil dos paradoxos. Brasil do que é pelo que alguns impõem que seja, como se o fosse.

 

Palestra apresentada na sede da Academia Alagoana de Letras por Professor Doutor Marcos Bernardes de Mello

 

Palestra apresentada na sede da Academia Alagoana de Letras por Professor Doutor Roberto Sarmento

About Carlos Mero

CARLOS MÉRO nasceu em Penedo (1949). Membro da Academia Alagoana de Letras, do IHGAL e da Confraria Queirosiana (PORT.). Já integrou o Comité Scientifique da Revue REFLEXOS - Université Toulouse Jean Jaurès – FR.). Principais publicações: O Beco das Sete Facadas e outras estórias alucinadas (Contos). São Paulo: Marco Zero. 2005 - A lua de fel do casal Valhamor (Conto). Revue L’Ordinaire Latino-Americain, nº 212/2010, Université de Toulouse II – Le Mirail. - O amargo regresso da desesperança. Revue Caravelle nº 96/2011 - Université de Toulouse II – Le Mirail - Travessias (Contos - coautora: Cristina Duarte-Simões). Maceió: Viva. 2013 - Graciliano Ramos: Um monde de peines. (Depoimento). Lille (Fr): The BookEdition. 2015 - A deserção de Maíra (Novela), in Inventando Maíra S. Paulo: Scortecci. 2016 - O chocalho da cascavel (Contos). S. Paulo: Scortecci. 2016 - Um gosto de mulher (Poesia). S. Paulo: Scortecci. 2018 (2ª edição) - Dias assombrados em Roma (Memórias). S. Paulo: Scortecci. 2ª ed. 2020 - Contos covidianos. S. Paulo: Scortecci. 1ª e 2ª eds. 2021); Os dois melros (Conto). Rev. de Portugal nº 18/2021; Eça de Queirós e Graciliano Ramos: Diálogo criativo (Palestra: Vila Nova de Gaia - 15.03.2022). Rev. de Portugal nº 19/2022.

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