Category Archives: Ficção

DURANTE UM VOO DA TAP Salvador/Lisboa, março de 2010
   19 de julho de 2023   │     7:44  │  4

Uma aeromoça havia passado no corredor, oferecendo revistas portuguesas. Outra me apresentou uma bandeja coberta por copos de suco, água e vinho branco. Graças ao programa de milhas, eu havia obtido um upgrade, permitindo-me viajar em classe executiva. Eu merecia esse conforto, pois vinha me recuperando de uma fratura na fíbula. Sentada do lado da janela, olhei o assento vazio ao meu lado. Cruzei os dedos, torcendo para ninguém se sentar.

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UM FANTASMA DE CARNE E OSSO
   7 de julho de 2023   │     8:26  │  0

JÁ TINHA MORRIDO UM MONTE DE VEZES. Era o que Fernando dizia, com o queixo empinado, o olhar faiscante, o peito estufado. Eu me lembro muito bem de seis, afiançava ele. É como se tivessem acontecido ontem, esforçava-se para afugentar os olhares atravessados dos descrentes e amortecer as caçoadas dos debochados.

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A nau encantada
   3 de julho de 2023   │     4:15  │  0

Jose Matheus chegou à janela da pequena casa na praia, o mar quase beirando a calçada; E viu, no suave sol da manhã azul, na enseada, uma nau daquelas que tantas vezes admirara em seus livros de História do Brasil. Esfregou os olhos para afastar o sono, esfregou outra vez, para ter certeza:-

Gritou: Rita vem cá! Rita chegou apressada.

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A MORTE INCONCLUSA
   15 de maio de 2023   │     10:45  │  1

DANILO VIVIA ACUADO. Bastava apontar no vão da porta da sala de aula e já começavam os arremedos, as chacotas e as gargalhadas. Imitavam sua fala emperrada, sua figura fornida, seu ventre expandido, seus gestos remanchados, seu andar banzeiro e pesaroso. Também não o poupavam pela língua maciça, sempre encompridada por entre os lábios e ameaçada pelos amolados dentes da frente. Tampouco o rosto plano, amplo e polpudo, o nariz e os olhos miúdos, as orelhas exíguas e abauladas.

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Um curioso encontro – Londres, outubro de 2007
   28 de abril de 2023   │     8:09  │  3

Apesar do dia ensolarado, fazia aquele friozinho típico de outono europeu. Como a loja se situava numa via cruzando o final da comprida Sloane Street, apressei o passo. O vento forte despenteava as árvores. Levantei a gola e, descendo a longa artéria, observei os táxis pretos trafegando pela esquerda, ou melhor, andando na “mão inglesa”, com seus motoristas dignamente sentados à direita, no lugar que é o do passageiro por aqui.

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A FESTA DE PAFINHA
   19 de abril de 2023   │     9:49  │  0

Ninguém sabia seu nome, que dirá sobrenome. Os amigos a conheciam como Pafinha, apelido carinhoso. Moça bonita, pele aveludada, cabelos escuros escorridos, os olhos vivos harmonizavam com a boca carnuda. Pafinha tinha a beleza da juventude e a graça de quem é feliz.
Estatura mediana, curvas visíveis, cintura fina e seios abundantes faziam dessa jovem uma mulher charmosa e atraente. Deusa calipígia morena, seu balaio bem torneado era desejo e fantasia de muitos homens.

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UM ENCONTRO ATRAPALHADO
   7 de abril de 2023   │     1:48  │  12

De: Sandra Mairinque <sandra_mairinque.134@gmail.com>
Enviado: domingo, 20 de agosto de 2011
Para: Marcia Labroy <marcialabroy_43@hotmail.com>
Assunto: quero falar com você!

Cara Márcia, bom dia!

Tentei ligar para seu celular, mas foi impossível falar, pois você não atende. Minhas ligações caiam sempre na sua caixa postal. Eu quero tanto lhe revelar algo que aconteceu comigo! Só confio em você, a única pessoa com quem me abro. Resolvi então fazer o seguinte: irei escrever-lhe em detalhes uma estranha situação que experimentei. Você vai ficar a par de tudo. Depois, quero sua opinião sincera a respeito disso. Assim que você puder, ligue para mim! Eis aqui o relato:

<<Um tempo atrás, passei por uma experiência bastante inusitada. Foi quando inventei de ter uma troca com alguém que conheci através das redes sociais. Era amigo de uma conhecida minha. O homem tinha uma boa aparência e aparentava ter um ótimo nível sociocultural. Chama-se Fernando.

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Adelaide
   5 de abril de 2023   │     1:20  │  1

 

Onde está Adelaide? Essa pergunta ecoava pelos corredores e oitões da casa, sempre que a menina desaparecia das vistas do mundaréu de gente que vivia naquela propriedade. Todas as filhas do seu Manoel Ignácio tinham medo dos gritos e ordens do pai. Só não aquela sapeca destemida que o pai tentava, em vão, trazê-la a rédeas curtas. Escorregadia, teimosa, desobediente, porém carinhosa e cheia de artimanhas, sabia como engazopar o seu Manoel.
Adelaide vivia o hoje, sempre escapulindo das obrigações diárias que o pai, viúvo convicto – jamais aceitou casar outra vez, por achar que já tinha mulher demais na sua vida –, distribuía para as oito filhas, com o intuito de ensinar-lhes o que era dever e obrigação, preparando-as, naturalmente, para que fossem boas esposas. Adelaide, a caçulinha, passava o dia lendo ou subindo em árvores. Um enorme cajueiro era a sua árvore favorita que, com seus pingentes dourados, ouvia as suas queixas e sonhos. E o pai ralhava: “Adelaide, desça daí, parece uma moleca! Venha ajudar suas irmãs!”.

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O DIA QUE NÃO TERMINOU Ao filho que não vi sorrir
   23 de março de 2023   │     16:21  │  0

 

HÁ, NA CASA DE ARGEMIRO, um arremedo de oratório na sala de estar. Um nicho que lembra os que ainda puderam ser vistos nas ruínas tostadas de Pompeia. Mas somente para quem olha de longe. Quando se apura a vista, logo se vê que o de cá não tem nada a ver com os de lá. Bem comparados, a afinidade não vai além de uma acanhada aparência.
No de Argemiro não há divindades domésticas, como as que teriam sido arranjadas nos relicários que escaparam da fúria do Vesúvio. O que há são imagens miúdas, de apenas sugerido feitio humano, que se esforçam para significar a gente da casa: os pais, os filhos e os netos. Também os dois gatos que, a depender do humor, atendem por Marília e Dirceu. Ela, com sua veste branca que nem alvaiade; ele, de um louro esbanjado e apenas traído por um borrifo moreno que lhe pousa na fronte.

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A nau encantada
   22 de março de 2023   │     6:52  │  0

 

Jose Matheus chegou à janela da pequena casa na praia, o mar quase beirando a calçada; E viu, no suave sol da manhã azul, na enseada, uma nau daquelas que tantas vezes admirara em seus livros de História do Brasil. Esfregou os olhos para afastar o sono, esfregou outra vez, para ter certeza:-
Gritou: Rita vem cá! Rita chegou apressada.
— Que é Zé? Que alvoroço homem! Quase não termina a frase:
–Uma caravela!
Entraram. Rita prepara o café. Aquelas velas brancas brilhando ao sol da manhã, não os deixa em paz. Entre uma colherada de cuscuz e um gole de café; em suas retinas, –a nau. Rita afoita convida, vamos lá Zé?
–Se for um navio fantasma?
—Fantasma? Não acredito
José Mateus dá a palavra final. Nem pensar. Na manhã do outro dia, lá está a danada, linda, convidando à exploração. Cauteloso, José Matheus diz:- Vamos esperar os vizinhos comentarem.
Deram um bordo pela praia. Calixto vinha devagar.
— Bom dia! Falam ao mesmo tempo: Alguma novidade?
— A maré alta responde Calixto. Que mais haverá de ter?
Olham-se. Rita insiste, devíamos ir ver de perto.
-Amuada Rita vai para dentro de casa
José Matheus, não arredou pé.
Durante o dia Rita não falou nada, à noite deitou-se de costas para ele. Não se entendiam quando o assunto era a caravela. Rita mudou de tática, que mulher é bicho matreiro, sabedor de malicias e de truques para quebrar certas teimosias de homem. Nessa noite, Rita levou o seu Zé a oceanos desconhecidos; Navegar por estranhas correntes marinhas, algas em meneios sinuosos. Misteriosos abismos abissais. Ele foi feto no útero materno, recém-nascido em deslumbres de um mundo novo, homem primitivo; fauno dançante. Ao acordar gritou feliz: —Vamos lá… Rita se fez de ingênua:
— Aonde?

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