A CAPELA DE SÃO GONÇALO: UM TESTEMUNHO DA ARQUITETURA COLONIAL EM MACEIÓ
   3 de outubro de 2023   │     8:38  │  0

A primeira capela construída em Maceió foi dedicada a São Gonçalo de Amarante, um marco histórico e religioso no povoado. Sempre que se falava do santo português e para explicar a origem da ermida, Maria Joaquina Xavier, antiga moradora e proprietária de casas na Boca de Maceió, contava a seguinte história de uma lenda: dois portugueses em perigo no mar prometeram ao santo edificar uma igreja em sua homenagem na primeira terra que avistassem. A Ponta Verde foi a primeira que lhes apareceu, então compraram um terreno e no centro edificaram a capela onde durante muitos anos se fizeram muitas festas.


Contudo, considerando-se que a igreja foi construída com traços típicos das estruturas coloniais, herança arquitetônica do Nordeste que se espalhou pela faixa litorânea, é possível que ela tenha sido erguida por alguma ordem religiosa que acompanhou os colonizadores. A planta era simples, com formato retangular. A fachada principal apresentava um estilo discreto e elegante, com cores neutras e linhas retas. O interior possuía apenas um altar, sem adornos rebuscados ou barrocos em sua construção.
A capelinha era um lugar de grande importância para os habitantes locais, especialmente para os portugueses. Nela, eram celebrados diversos ritos religiosos, incluindo missas, batismos, casamentos e novenas.
São Gonçalo de Amarante, o primeiro padroeiro de Maceió, nasceu em Arriconha, freguesia de Tagilde, próximo de Vuzella (perto de Braga), Portugal, em 1187. Ele estudou as disciplinas eclesiásticas e foi ordenado sacerdote e nomeado Pároco da freguesia de São Paio (ou São Pelágio) de Riba-Vizela.
Com o desejo de visitar os túmulos dos apóstolos São Pedro e São Paulo e os lugares santos da Palestina a fim de melhor viver os mistérios cristãos, ele obteve licença do seu bispo e peregrinou primeiro a Roma, donde passou a Jerusalém e demais terras da Palestina, onde se demorou catorze anos.
Sentindo remorso por tão longo tempo de abandono à sua comunidade, ele regressou para sua paróquia, mas encontrou resistência do seu sobrinho sacerdote que não o aceitou como legítimo pároco e o escorraçou de casa. Com documentos falsos, o sobrinho provou ao Arcebispo D. Silvestre Godinho que Gonçalo havia morrido. Resignado, ele deixou S. Paio de Riba-Vizela e foi pregar o Evangelho por terras até à margem do Tâmega, vindo a encontrar o lugar onde hoje é a cidade de Amarante. Lá ele construiu uma capela que dedicou a Nossa Senhora da Assunção e nela se recolheu, saindo de vez em quando para pregar nos arredores e consagrando o tempo que lhe sobrava à oração e à penitência.
São Gonçalo, mesmo não sendo oficialmente canonizado pela Igreja Católica, é tido como santo pelo povo e venerado como o padroeiro dos ossos e de quem busca casamento. O Beato Gonçalo de Amarante (sentença de Beatificação promulgada em 16 de setembro de 1561) morreu no dia 10 de janeiro de 1259 em Amarante, no Douro, à margem direita do rio Tâmega, em Portugal.
A Capela de Maceió dedicada a São Gonçalo foi um elemento importante na formação de um pequeno centro produtor de açúcar. Isso ocorreu quando um engenho foi construído nas proximidades do pátio da igreja, local onde hoje encontra-se a Praça D. Pedro II no centro da cidade. Infelizmente, o estabelecimento agroindustrial teve uma vida curta e acabou sendo extinto. No entanto, o aglomerado que restou após a extinção do engenho acabou dando origem ao Povoado de Maceió. É interessante ver como a história de um lugar pode ser moldada por eventos aparentemente pequenos.
Ao longo dos anos, as terras pertencentes à capela passaram por diversos proprietários. Inicialmente, em 1611, foram concedidas em forma de sesmaria ao português Manoel Antônio Duro, que morava na Pajussara. O segundo sesmeiro foi o Capitão Apolinário Fernandes Padilha, no início da segunda metade do Século XVII. Depois, o Padre Antônio Ferreira da Costa, herdeiro do Capitão Apolinário. Em 18 de março de 1791, Bento Ferreira Guimarães, afilhado do padre, foi contemplado com a doação das terras. Por fim, a Igreja Católica, ofertadas por Bento Ferreira.
Na segunda metade do século XVII, o santuário passou por uma reforma liderada pelo Capitão Apolinário Fernandes Padilha. Devoto de Nossa Senhora dos Prazeres, ele mandou trazer de Portugal uma imagem da santa, que se tornou a nova padroeira da localidade. A partir de então, o templo passou a ser um importante centro de devoção à Nossa Senhora com o título de Nossa Senhora dos Prazeres.
Em 1850, a ermida de Nossa Senhora dos Prazeres foi demolida para dar lugar a um novo e grandioso templo, que já estava em construção desde 1838. Com a inauguração da nova igreja, atual Catedral de Maceió, em 1859, a imagem de São Gonçalo de Amarante foi colocada na sacristia do novo templo, onde permaneceu até 1890.
No dia 2 de dezembro de 1851 o presidente da província das Alagoas, Dr. José Bento da Cunha Figueiredo (07/1849 a 04/1853) iniciou a construção do farol de orientação da navegação com o assentamento da pedra fundamental. O lote de terra onde a obra foi executada havia sido doado ao governo imperial em 1834, por Bento Ferreira Guimarães e sua esposa, para a implantação do sistema de defesa do Porto de Jaraguá e do Ancoradouro da Pajussara.
O local já abrigava diversas estruturas, como a casa da pólvora, o telégrafo ótico, a residência do guarda e uma bateria de canhões. Contudo, a presença do depósito de explosivos aumentava consideravelmente o risco de acidentes. Assim, visando a segurança na edificação do farol, optou-se pela demolição do depósito. Em 1852, o capitão de engenheiros Christiano Pereira de Azeredo Coutinho foi responsável por essa operação, e o paiol foi realocado para uma edificação menor, situada a uma curta distância de onde o depósito original se encontrava.
Em 11 de março de 1871, quase duas décadas após sua construção, o paiol foi realocado para um prédio situado no Bairro da Ponta Grossa, à beira da Lagoa Mundaú. Essa transferência ocorreu em resposta às preocupações dos moradores, que expressaram temores sobre possíveis riscos de explosão. O local escolhido para a nova instalação já havia servido anteriormente como um matadouro público. A fazenda nacional assumiu a responsabilidade pelo pagamento do aluguel do edifício, desembolsando 1:000$000 (um conto de réis) para o tesouro da província.
A antiga casa que serviu de paiol, agora abandonada e infestada por formigueiros, foi adquirida em 1890 pela Irmandade do Santíssimo Sacramento. Esta instituição religiosa, fundada em 1821, ano em que Maceió se tornou uma paróquia, tinha a responsabilidade de administrar a igreja matriz sob o padroado de Nossa Senhora dos Prazeres.
A Irmandade realizou reformas no imóvel para transformá-lo em uma igreja dedicada a São Gonçalo de Amarante. Uma modesta torre sineira foi construída à direita, e duas cruzes de ferro foram instaladas – uma no topo da torre e outra na entrada. A igreja, de estilo colonial simples, foi organizada com um pequeno salão para a celebração das missas e um altar para acolher a imagem do santo. O piso original era de tijolo e o teto não possuía forro.
O santuário recém-construído foi abençoado em uma cerimônia solene realizada no dia 10 de janeiro de 1891. No dia seguinte, a imagem sagrada de São Gonçalo foi trazida para o local. A transferência foi marcada por uma grande celebração, com uma procissão saindo da Igreja Matriz e percorrendo as ruas da cidade até chegar ao templo recém-batizado de São Gonçalo de Amarante. Lá, a imagem do santo passou a olhar para a cidade e o mar de Maceió de forma vigilante, humilde e majestosa.
A igrejinha de São Gonçalo recebeu duas imagens de santos com histórias fascinantes. A primeira, uma efígie da Santíssima Virgem sob o título de Nossa Senhora da Conceição, foi doada em setembro de 1892. A cerimônia de bênção ocorreu na Igreja do Rosário na tarde do dia 8 de setembro daquele ano, seguida de uma procissão até a capela mencionada. A segunda, de São Braz, veio de Paris e foi doada à capela de São Gonçalo em março de 1908. Antes de ser entregue à igreja, ela ficou em exposição na Loja Viúva Prado & Cia., localizada na Rua do Comércio. A cerimônia de bênção ocorreu em agosto de 1908.
Essas imagens representam um valioso patrimônio histórico e religioso de Maceió e continuam sendo objeto de veneração pelos fiéis.
Além das doações de imagens sagradas, a capela de São Gonçalo também passou por uma restauração financiada por Dona Letícia de Melo Mota. O piso foi renovado por Dona Edite Nogueira e os mosaicos para o revestimento foram doados pelo Dr. Claudio Magalhães. A substituição de portas e janelas foi patrocinada por Dona Iolanda Fiuza Moreira.
Em frente à pequena igreja, localiza-se a atual Praça Rosalvo Ribeiro. Graças à aprovação do Projeto nº 10 na sessão do Conselho Municipal de Maceió, presidida pelo Dr. Demócrito Brandão Gracindo em 18 de setembro de 1908, a praça foi ampliada e embelezada. O projeto declarou de utilidade pública o sítio anexo à capela, de propriedade de Joaquim Antônio de Almeida; e o terreno adjacente à esquerda, pertencente a Arthur Peixoto, para fins de desapropriação.
A sessão contou com a presença dos conselheiros Dr. Demócrito Brandão Gracindo, José Barros, Major Roberto Machado, Coronel Felino Mascarenhas, Major José Bezerra Nunes, Coronel Severino Lins e Coronel Augusto de Aguiar. Com a aprovação do projeto, foi possível iniciar o processo de ampliação e embelezamento da praça, que hoje é o lar do Mirante de São Gonçalo.
Em 1967, a Capela de São Gonçalo enfrentou a ameaça da especulação imobiliária, que colocou em risco os valores culturais da cidade. No entanto, graças à sua localização privilegiada e aos esforços incansáveis de seus fiéis para preservá-la, ela foi poupada da demolição, apesar de sua aparência modesta e despretensiosa.
A Capela de São Gonçalo, situada no Bairro do Farol (anteriormente conhecido como Alto do Jacutinga) em Maceió, é um fascinante exemplo de como a fé, a cultura e a história podem se entrelaçar para formar a identidade de uma cidade. Localizada na interseção da Rua Aristeu de Andrade com a Rua Comendador Palmeira, esta capela tem sido de grande importância para os moradores locais desde a sua construção original, servindo como um marco histórico e religioso na comunidade.
Oficialmente protegida pelo Decreto Nº 33.127, de 31 de agosto de 1988, devido ao seu valor histórico, ela agora está sob a proteção do poder público e não pode ser demolida ou modificada sem a devida autorização. Este fato destaca o quanto a comunidade local valoriza e se dedica à preservação da Capela de São Gonçalo, garantindo que sua história e importância sejam mantidas para as futuras gerações.
A restauração e preservação da capela como um patrimônio cultural protegido são um testemunho do esforço incansável da comunidade para mantê-la. Através de doações de imagens de santos, reformas e embelezamentos, a Capela de São Gonçalo continua a ser um símbolo vivo da história e da fé em Maceió. Este é um exemplo notável de como a preservação do patrimônio cultural pode ser alcançada através do esforço conjunto da comunidade e do poder público.

de Pernambuco, anno XXXVIII, número 24, Recife, 30 de janeiro de 1862.
Falla dirigida à Assemblea Legislativa da Província das Alagoas, na abertura da primeira sessão ordinária da nona legislatura, pelo Exm. Presidente da mesma província, o Conselheiro José Bento da Cunha Figueiredo, em 26 de abril de 1852.
Gazeta de Alagoas, anno IX, número 126, Maceió, 24 de junho de 1942.
Jornal Cearense, anno XXV, número 29 , Fortaleza, 12 de março de 1871.
Jornal de Alagoas, ano LXVIII, número 22, Maceió, 27 de janeiro de 1967.
Jornal Gutenberg, anno XVIII, número 62, Maceió, 19 de março de 1908.
Jornal Gutenberg, anno XXVIII, número 175, Maceió, 11 de agosto de 1908.
Jornal Gutenberg, anno XXVIII, número 208, Maceió, 22 de setembro de 1908.
Jornal Orbe, anno XII, número 13, Maceió, 14 de fevereiro de 1890.
Jornal Pátria, anno II, número 185, Maceió, 07 de setembro de 1892.
Periódico Cruzeiro do Norte, anno II, número 2, Maceió, 14 de janeiro de 1891.
Relatório lido perante a Assembleia Legislativa da Província das Alagoas no ato de sua instalação em 03 de maio de 1871 pelo presidente da província Dr. José Bento da Cunha figueiredo Junior, Maceió, 1871.
Relatório da Repartição dos Negócios da Guerra apresentado à Assembleia Geral Legislativa na 1ª sessão da 9ª legislatura pelo ministro e secretário de estado Manoel Felizardo de Souza e Mello em 1853.
São Gonçalo de Amarante em Maceió, artigo de Nicodemos de Souza Moreira publicado na Revista O Magistério, órgão do Instituto dos Professores Primários, anno III, número 4, Maceió, 30 de março de 1889.
SECULT. Maceió – Capela de São Gonçalo de Amarante. Disponível em: https://www.ipatrimonio.org/?p=46891#!/map=38329&loc=-9.662174085700752,-35.73573589324951,16. Acesso em 04 de janeiro de 2022.

About Ehrlich Falcão

Ehrlich Falcão é Engenheiro Civil graduado pela Faculdade de Engenharia da Universidade Federal de Alagoas – UFAL. Foi engenheiro do Departamento de Estradas de Rodagem de Alagoas – DER/Al e da Prefeitura Municipal de Maceió. Professor aposentado do Instituto Federal de Alagoas – IFAL, Especialista em Transporte e Engenharia de Tráfego pela UFAL, Mestre em Tecnologia pelo Centro Federal de Educação Tecnológica do Rio de Janeiro, Doutor em Ciências da Educação pela Universidade Tecnológica Intercontinental – UTIC em Assunção – Paraguai, Membro do Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas – IHGAL, onde ocupa a Cadeira nº 51, cujo patrono é Francisco Calheiros da Graça; Membro da Academia dos Engenheiros Escritores de Alagoas – ACEAL, ocupando a Cadeira nº 16, cujo patrono é José Arnaldo Lisboa Martins; é pesquisador, palestrante e autor do Livro Memórias de Maceió: I – Origem, fundação e símbolos.

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