A língua portuguesa está à beira do abismo. Há umas décadas dava gosto ler bons jornais e boas revistas, porque contavam com jornalistas preparados, atentos a eventuais desvios da língua — todos, vamos assim dizer, competentes no que faziam..
Profissionais da escrita e da fala no seu modelo culto (como é o caso de professores, e não só os de língua portuguesa, jornalistas e outros) revisavam seus textos antes de publicá-los e se sentiam mal se algum defeito escapasse à revisão. Ficavam humilhados em si mesmos, envergonhados, perto de se jogar do terceiro andar. Mas agora, com a internet e com a volúpia e a pressa para publicar nas mídias eletrônicas, sobretudo nessas, até acham graça se erram. Devem dizer com os seus botões: “Mas que besteira!”. Uma aluna minha uma vez me disse: “Professor, o mundo vai acabar, e o senhor aí preocupado com uma vírgula fora do lugar?”. Quase que respondi a ela, mas preferi só pensar: “É, o mundo está para acabar, e você nem deveria estar aqui, estudando letras — logo letras! —, porque o mundo está para acabar”.
O respeito ao idioma foi para as cucuias.
Estou cansado de ver dizerem e escreverem “ele deve _está_ aqui” ou “ele saiu _a_ pouco”. Isso dito por gente boa. (Mas dizia uma excelente professora de português que tive na escola, “gente boa burra!”). Salvo o exagero da professora, que não perdoava um deslize sequer (com “s” ou com “z”? vejo muito por aí escreverem “deslise”, na maior cara de pau), é bom reconhecer que todos erram e erramos. A língua é, além de bela, um mar de traições e vilipêndios, para o bem e para o mal.
A propósito, acabo de detectar na internet, numa crônica de um bom jornalista da área política, o seguinte:
“Longe de enfeiar, o equipamento embeleza seres humanos que lutam para se manter íntegros e integrados”
Notou? O jornalista escreveu “enfeiar”, com esse “i” metido onde não devia. São os verbos que terminam em “-ear”, como “nomear”, “passear”, “bombear”, “enfear”… A maldita vogal intrometida aparece, entretanto, na conjugação: “eu enfeio”, “eu passeio”, “eu nomeio”… Mas não no infinitivo, o nome do verbo.
O jornalista, como diria Sílvio Santos na sua simplicidade jocosa, deve ter faltado a essa aula.
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