Crianças (in)felizes
   17 de abril de 2023   │     3:11  │  0

Diante dos inúmeros casos que estamos vendo atualmente de crianças e pré-adolescentes cometendo crimes horrendos contra sobretudo outras crianças, e também contra adultos, em geral professores, aglomerados nas escolas – fato que sempre se viu nos Estados Unidos e agora com mais frequência no Brasil -, ficamos tentados a procurar entender o fenômeno que nos aflige no momento. Recorremos, então, nessa ânsia de saber, a psicólogos, sociólogos, religiosos, e nada parece satisfazer ou explicar bem. Talvez porque por aqui seja praticamente um evento ainda novo, talvez porque tenhamos o hábito de buscar explicações ligeiras pelos corredores da internet.


O certo é que estamos vendo mais uma face do Mal se mostrar, ao vivo, diante de nossos olhos atônitos. A maior surpresa talvez decorra do fato de que crimes monstruosos como esses estejam sendo praticados por crianças. Elas mal formaram o seu superego, que, segundo Freud, é a lista maciça das regras culturais que vamos incorporando aos poucos para nos tornar humanos e socialmente aceitáveis, e já estão matando, mutilando, massacrando. Falta-lhes receber as últimas lições do superego? Falta-lhes receber em casa orientações de amor e caridade? Falta-lhes religião, que prega o bem e a paz, entre outras coisas? O que é que anda acontecendo, podem me dizer?
Elas podem estar tendo tudo isso, passando por toda sorte de práticas educativas, mas parece que o Id, essa casa das loucas do psiquismo humano, está tomando a frente do funcionamento da mente e dirigindo as ações.
Quero lembrar, entretanto, que o Mal, assim como o Bem, sempre existiram desde que o mundo é mundo. Caim matou Abel. Pais matavam os filhos por causa de poder, e filhos, igualmente, matavam os pais – e ainda matam e matarão – pelas mesmas razões. Crianças e jovens também sempre se envolveram com atrocidades.
Talvez, no caso de crianças e adolescentes, essa rápida adesão ao Mal tenha um sabor de aventura, para não dizer psicopatia (seriam psicopatas todas essas crianças envolvidas em crimes?) e, assim, teriam até certo direito a condescendência. Elas matam, diriam alguns especialistas, porque, como diria Platão, não _conhecem_ ou não _compreendem_ bem o que é o Mal. Um pensamento que defenda o primado da Razão pode ajudar, mas não dá conta de toda essa espessa realidade da execução do Mal no mundo em que vivemos. Crianças não amadureceram ainda e não têm percepção mais atilada das coisas, podem dizer alguns outros.
De resto, sabe-se que elas sentem prazer em cometer crimes, como qualquer adulto mau e criminoso. E a felicidade parece, pela voz de religiosos e psicólogos, ser o bem supremo. Quem não quer ser feliz? Não nos enganemos: é tolice e ingenuidade dizer que o que queremos para nossos filhos é tão somente que eles sejam felizes na vida e nas escolhas que farão. A frase pode ser muito bonita, mas é inteiramente vã, ou pelo menos parcial e incompleta. Elas podem estar querendo ser felizes, justamente enquanto ou porque praticam o Mal. Com toda justiça e bem-estar… como podem elas assim pensar e se sentir.
Ser feliz não é sinônimo de praticar o Bem. O Mal, às vezes, é um excelente companheiro para quem está disposto, dispostíssimo, a acolhê-lo.

About Roberto Sarmento Lima

Roberto Sarmento Lima é professor titular da área de Estudos Literários da Universidade Federal de Alagoas. Tem doutorado em Literatura Brasileira, com a tese O narrador ou o pai fracassado: modernidade e revisão crítica em Vidas secas (1998). Para seu concurso de professor titular, defendeu a tese Retratos do narrador cínico: confissões em lugares fechados (2020). É autor de livros e artigos publicados em várias revistas acadêmicas, tanto no Brasil como em Portugal. Em 1986, recebeu o Primeiro Prêmio do Concurso Nacional Manuel Bandeira com o ensaio Manuel Bandeira: o mito revisitado, publicado como livro no ano seguinte pela Editora Tempo Brasileiro, do Rio de Janeiro. Desde 2009, é articulista fixo da revista Conhecimento Prático Língua Portuguesa e Literatura, da Editora Escala, de São Paulo.

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