MEU QUERIDO SÃO JOÃO
   21 de junho de 2023   │     5:45  │  0

Ele chegava alegre com três ou quatro pacotes, colocava-os na mesa e abria mostrando aos cinco filhos os fogos comprados para o São João. Arrodeando a mesa da sala na imensa varanda de minha casa, contemplávamos cheios de alegria aquele presente de meu pai. Ele sentia prazer, satisfação ao distribuir os fogos para os filhos. Aos menores cabiam traques, chuvinhas e estalos bebé. Aos maiores eram distribuídos foguetes de três tiros, foguetes de estrelas, bombas travalianas e peidos de veia, e o melhor, os vulcões. Perto de escurecer, na véspera de São João, dava-se o momento mágico: acender a fogueira bem arrumada na rua em frente à minha casa. Meu pai lançava o álcool por cima e tocava fogo com um fósforo. O fogaréu começava, chispando faísca, iluminava a rua enfeitada por uma fileira de fogueiras queimando. Os adultos, sentados nas cadeiras na calçada, conversavam, tomando doses de quentão, uísque ou cerveja, comendo pamonha, canjica e milho assado. A moçada soltava fogos. Os vizinhos seguiam o mesmo ritual. A rua engalanava-se em fogueiras e bandeirinhas, havia um rodízio de visitas enquanto a eletrola tocava: A fogueira tá queimando… Em homenagem a São João… O forró já começou… Vamos, gente, rapa pé nesse salão… Dança Joaquim com Zabé, Luiz com Yaiá… Dança Janjão com Raqué e eu com Sinhá…Traz a cachaça Mané!
Eu quero ver, quero ver paia avoar…


Quando dava meia-noite, as mocinhas entravam para fazer “adivinhações”. Em uma bacia cheia d’água deixavam pingar cera de uma vela acesa até formar ou aparentar com os pingos alguma letra. Pronto, era com um jovem de nome iniciado com aquela letra que iria casar a moça que deixava pingar a vela. Ou levavam para o fundo do quintal uma faca que enfiavam no tronco de uma bananeira, e no dia seguinte puxavam a faca marcada, manchada com a primeira letra do seu futuro marido. Eu, menino, acompanhava com fascínio toda aquela movimentação da véspera de São João, ouvindo o som da eletrola rodando as músicas de Luiz Gonzaga. Quando a fogueira baixava, convidava um amigo do peito para pular por cima das brasas, um de cada lado, e ser “compadre” para o resto da vida. O momento mais esperado era a queima de três ou quatro vulcões enormes, um esplendor de explosão jorrando forte para o alto enorme faíscas com pontos coloridos.
Durante a adolescência, a expectativa do São João iniciava-se um mês antes com os ensaios da Quadrilha no Iate Clube. Vários pares de jovens dançavam e rebolavam ao som de uma animada música junina e sob o comando do quadrilheiro que cantava a sequência dos passos em francês: “En avant tout”, “change de dame”, “balancê”, “returnê”, “tur”, e lá íamos nós, os jovens casais felizes da vida. Ensaiávamos bastante até a noite da grande apresentação. Durante os repetitivos ensaios, a paquera era maravilhosa, iniciavam-se namoros entre os componentes da quadrilha, muitas vezes o próprio par. Afinal a noite de glória, a apresentação da Quadrilha do Iate. Todos fantasiados de matutos, com as calças e camisas remendadas, bigodes e costeletas de carvão, chapéu de palha, dançávamos como se fosse para a plateia do maior teatro do mundo. Enchiamo-nos de orgulho e felicidade quando os aplausos ensurdeciam o enorme salão cheio de mesas.
No CRB havia a famosíssima Festa dos Pedros, organizada na véspera de São Pedro, dia 28 de junho. As mesas rapidamente vendidas, quem tinha o nome Pedro, a mesa era cortesia. Um arrasta-pé intermitente animado por quatro trios nordestinos, forró de pé de serra, tocavam até o sol raiar. Ao lado de fora uma enorme fogueira acesa iluminava o Clube e a praia da Pajuçara.
Quando terminava a animada festa, nós, meninos da Avenida da Paz, vínhamos andando e cantando, geralmente de mãos dadas com a namorada, insistindo um beijo roubado, cantando pela noite iluminada: “Olha pro céu meu amor… Veja como ele está lindo… Olha para aquele balão multicor… Que lá no céu está sumindo… Foi numa noite igual a esta… Que tu me deste o coração… O céu estava em festa… Porque era noite de São João… Havia balões no ar… Xote, baião no salão… E no terreiro o teu olhar… Que incendiou meu coração…” A música valia um beijo da namorada já segura pelo pescoço. Durante a alegre caminhada, às vezes caía chuva, era sinal de alegria, estimulava nossa energia. Ao chegar perto do coreto da Avenida, o sol amanhecendo, o céu dourado anunciando um novo dia, com chuva ou sem chuva, corríamos para um mergulho no mar alaranjado da madrugada com a roupa que tivesse no corpo. Alegres, cansados, molhados, cada qual caminhava para sua casa. Era a despedida, acabavam-se as festas juninas tão esperadas durante o ano inteiro.

About Carlos Roberto Peixoto Lima

Nasceu na cidade de Maceió, na Avenida da Paz. Fez o Curso primário e secundário no Colégio Diocesano (Marista). Cursou a Escola Militar e terminou a Academia Militar das Agulhas Negras em 1961 Serviu como Tenente do Exército Brasileiro em Salvador, no Recife (quando aconteceu o Golpe de 1964), ainda como tenente foi transferido para 9ª Companhia de Fronteiras em Roraima, fronteira com a Guiana Inglesa e Venezuela. Onde fez o Curso de Guerra na Selva (CIGS) Como Capitão serviu no 20º Batalhão de Caçadores em Maceió. Terminou a Faculdade de Engenharia em 1971. Foi eleito Prefeito do município de Barra de São Miguel (1973-1977). Ao deixar a política dedicou-se à construção civil, com inúmeras obras em Maceió. Foi contratado como engenheiro da Prefeitura de Maceió, onde exerceu várias funções. Sempre dedicado à cultura e à leitura editou seu primeiro livro em 2001, CONFISSÕES DE UM CAPITÃO, sucesso em todo Brasil depois de ser entrevistado pelo Jô Soares. Não parou mais, escreve uma coluna semanal: HISTÓRIAS DO VELHO CAPITA. Recentemente lançou a Trilogia das Lagoas, com os romances: Manguaba, Mundaú e Jequiá. EMAIL: [email protected]

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