A BATALHA PELA CAPITAL: A MUDANÇA DA TESOURARIA PROVINCIAL PARA MACEIÓ
   3 de novembro de 2023   │     20:46  │  0

A região que hoje conhecemos como o Estado de Alagoas, outrora chamada de Província das Alagoas, possui uma história rica e multifacetada. Um marco importante foi a transferência da Tesouraria Provincial e da capital para a Vila de Maceió em 1839.
Este evento se desenrolou em meio a um cenário de transformações políticas e administrativas. Anteriormente parte da Capitania de Pernambuco, Alagoas passou por uma série de mudanças até finalmente se consolidar como o Estado de Alagoas após a Proclamação da República.
A origem de Alagoas remonta à região sul da Capitania de Pernambuco, onde foi estabelecido um distrito judiciário por decreto real em 09 de outubro de 1710, subordinado à Comarca de Olinda. O território abrangia os povoados de São Francisco (hoje Cidade de Penedo), Bom Sucesso (vigente Cidade de Porto Calvo) e Santa Madalena do Subaúna (depois Vila de Alagoas, atual Cidade de Marechal Deodoro).
Em reconhecimento ao progresso da região, o Governador da Capitania de Pernambuco, Félix José Machado de Mendonça Eça Castro e Vasconcelos (10/1711 a 06/1715), criou a Comarca de Alagoas em 12 de maio de 1712, que tinha como cabeça e residência do ouvidor a Vila de Santa Madalena do Subaúna.


Em 1817, na sequência da Revolução Pernambucana, o Rei D. João VI assinou um Decreto em 16 de setembro que estabeleceu a separação da Comarca das Alagoas da Capitania de Pernambuco, elevando-a ao status de Capitania de Alagoas. Posteriormente, em 1821, a Constituição Política da Monarquia Portuguesa introduziu alterações no sistema de divisão territorial do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarve. Como resultado dessas mudanças, a Capitania de Alagoas foi promovida a Província das Alagoas, transformada em Estado de Alagoas com a Proclamação da República em 1889. O Decreto Nº 1, datado de 15 de novembro do mesmo ano, converteu as províncias em estados federativos dos Estados Unidos do Brasil. Esta transformação foi oficializada pelo Artigo 2º da Constituição de 1891.
Com a instituição da capitania, Alagoas recebeu seu primeiro governador, o Tenente-Coronel Sebastião Francisco de Mello Povoas, que assumiu o cargo em 22 de janeiro de 1819 na Câmara da Vila de Alagoas, centro da Comarca. No entanto, Povoas estabeleceu sua residência e a sede do governo em Maceió, seguindo o conselho de Floriano Vieira Perdigão, um funcionário da Fazenda Real. A motivação para tal mudança foi o crescimento na coleta de impostos. No Porto de Jaraguá, que havia ultrapassado o Porto do Francês em termos de movimentação de mercadorias, muitos produtos, especialmente a madeira, eram embarcados sem o pagamento dos impostos.


Assim, em 1819, Mello Povoas instalou a Junta de Fazenda, instituição encarregada da administração fazendária, numa casa que mandou construir no Largo do Pelourinho (atual Praça D. Pedro II), e a Alfândega, órgão responsável pelo controle do tráfego de mercadorias, num armazém edificado nas proximidades do Porto de Jaraguá.
Em 1821, para evitar a decadência da Vila das Alagoas, os líderes das câmaras fizeram um pedido ao governador para transferir a sede do governo para a antiga capital. A mudança foi realizada por Mello Polvoas, que também transferiu a Junta da Real Fazenda.
A Lei de 4 de outubro de 1831, um marco na reforma da administração imperial, reestruturou a Fazenda. Esta lei transformou o Tesouro Nacional em Tesouro Público Nacional e substituiu as juntas de Fazenda pelas tesourarias provinciais. Além disso, regulamentou a organização desses departamentos. As tesourarias passaram a ser responsáveis pela administração, arrecadação, distribuição, contabilidade e fiscalização das rendas públicas.
No ano de 1839, sob a governança do Presidente Agostinho da Silva Neves (04/1838 a 01/1840), a Tesouraria Provincial de Alagoas foi transferida para a Vila de Maceió. Francisco Emygdio Soares da Câmara, inspetor da tesouraria, apresentou uma solicitação ao governo da Regência Una de Araújo Lima (1837 a 1840) para realizar a mudança. A motivação para tal era que a Alfândega, responsável pela maior parte da arrecadação de impostos, estava situada em Maceió. Além disso, a ausência de bancos na região implicava em um alto risco durante o transporte do dinheiro arrecadado para a Vila de Alagoas.


Contudo, os deputados de oposição ao governo, Pontes Visgueiro, Matheus Casado e Silva Porto, afirmaram que essa solicitação foi realizada de maneira sigilosa e acordada apenas entre o Presidente Agostinho Neves e seu aliado político João Lins Vieira Cansanção de Sinimbu.
Em 12 de outubro de 1839, o Ministro da Fazenda, Manoel Alves Branco (09/1839 a 05/1840), emitiu a ordem final para a transferência da Tesouraria Provincial para Maceió. Com a aprovação do Presidente Agostinho Neves, a mudança foi realizada no dia 27 do mesmo mês.
A decisão teve um impacto significativo na população da Vila de Alagoas. A Câmara de Vereadores, apoiada pelo povo, solicitou ao Presidente Agostinho que se abstivesse de qualquer decisão sobre o assunto. No mesmo dia, uma petição assinada por 106 pessoas pedindo a suspensão da transferência foi entregue ao presidente da província por uma comissão composta pelo Major Manoel Mendes da Fonseca, o Juiz de Paz Major José Bernardo de Arroxela Galvão e o Padre Francisco de Assis Ribeiro.
O presidente acolheu a comissão, esclarecendo que sua ação era o cumprimento de uma ordem superior. Ele propôs que todas as solicitações adicionais fossem direcionadas ao Governo Imperial. Contudo, atendendo ao pedido dos representantes presentes, ele se comprometeu a fornecer uma resposta oficial dentro de dois dias.
Porém, no final daquele dia, um discurso fervoroso de José Tavares Bastos incitou a multidão. Ele criticou Agostinho Neves e Sinimbu, acusando-os de serem adversários do povo da capital e afirmou que a medida também tinha como objetivo transferir a sede do governo para Maceió.
Influenciada pelo discurso, a população invadiu o almoxarifado para se armar. Para evitar distúrbios, o presidente instruiu o Juiz de Paz a dispersar a multidão e ordenou ao comandante da polícia que tomasse as medidas necessárias.
O dia seguinte transcorreu sem incidentes. No entanto, na manhã do dia 29 de outubro, o Major Mendes da Fonseca (pai de Deodoro da Fonseca, então com 12 anos de idade) estabeleceu uma guarda armada no palácio para impedir a saída do presidente Agostinho, isolando-o e cortando sua comunicação com a cidade e toda a província. Naquela tarde, a Câmara de Vereadores enviou um documento oficial ao presidente informando-o sobre a revolta popular e sugerindo sua renúncia. Sob pressão do povo e da tropa armada, o presidente informou que estava impossibilitado de continuar na administração da província.
A Câmara então convidou o 5º Vice-presidente, bacharel José Tavares Bastos (pai de Aureliano Cândido Tavares Bastos, recém-nascido), para assumir as rédeas do governo, convite que ele aceitou e assumiu o cargo naquele dia. A Câmara de Vereadores de São Miguel dos Campos, inteirada dos fatos que se passavam na capital da província, chamou, no dia 31 de outubro, o 1º Vice-presidente, bacharel João Lins Vieira Cansanção de Sinimbu, para prestar juramento, tomar posse do governo e dirigir os negócios públicos.
Assim que assumiu o governo, Sinimbu, imediatamente, tomou várias ações contra a sedição. Ele declarou a Vila de Maceió sede interina do governo, pondo a mesma em estado de defesa e ao abrigo de qualquer tentativa dos sediciosos. Pediu e conseguiu o apoio dos municípios em favor da legalidade ultrajada. Reuniu em Maceió e nas vilas de São Miguel dos Campos e Atalaia força suficiente para reagir a possíveis movimentos dos revoltosos. Solicitou às províncias de Pernambuco e da Bahia reforço militar, para marchar contra a capital e libertar o presidente Agostinho Neves.
Os eventos em questão tiveram consequências de grande magnitude. A solicitação para que Sinimbu assumisse o governo foi feita pela Câmara de Vereadores de Alagoas, que o convocou à capital. No entanto, ele estabeleceu condições claras: não assumiria o cargo a menos que o povo e a tropa depusessem as armas e libertassem o presidente. Diante disso, os sediciosos concordaram em libertar o presidente. Este, por sua vez, foi acomodado no Patacho Dois Amigos, ancorado no Porto do Francês. Sinimbu instruiu o mestre condutor a transportar o presidente para qualquer localidade da província que ele escolhesse.
Agostinho Neves resolveu se dirigir para Maceió, onde desembarcou no Porto de Jaraguá às 8 horas da noite. Ele foi calorosamente acolhido pelo povo e recebeu as rédeas do governo das mãos de Sinimbu.
A recondução de Agostinho Neves à liderança provincial intensificou o descontentamento popular. Os insurgentes, insatisfeitos com a administração, persistiram em suas posturas belicosas, evidenciando uma crescente insurreição. Na busca por suporte à sua causa, despacharam emissários confiáveis para as localidades rurais.
Com o objetivo de preservar a paz e evitar conflitos violentos, o Presidente Agostinho Neves fez um apelo aos cidadãos da capital para que depusessem suas armas, assegurando que todas as ofensas seriam esquecidas. Contudo, a situação permaneceu tensa.
A chegada da expedição de Pernambuco no dia 12 de novembro, composta por 150 soldados de infantaria e artilharia sob o comando do Tenente Coronel Burlamaque, foi crucial para restabelecer a ordem.
Três oficiais militares implicados na rebelião foram detidos: Major André de Lemos Ribeiro, Capitão Antônio Joaquim de Faria Pinheiro e Tenente Gonçalo Pereira de Oliveira. No entanto, alguns conseguiram fugir: Major Manoel Mendes da Fonseca e os alferes José Thomé Corrêa, Joaquim Timotheo Romeiro e José Camilo do Rego. Eles foram declarados foragidos e convocados a se apresentar conforme a lei.
Diante da dificuldade em administrar a província com a sede do governo na Vila de Alagoas, Agostinho Neves convocou a Assembleia Legislativa Provincial para debater a proposta de transferência da capital para Maceió.
A Assembleia foi aberta em 05 de dezembro de 1839 pelo próprio presidente da província, com Vieira Perdigão presidindo a sessão. Em seu discurso de abertura dos trabalhos, Agostinho Neves expôs os motivos para a mudança da sede do governo. Ele ressaltou que Maceió, localizada no centro da província, possuía uma posição geográfica privilegiada, era o núcleo do comércio interno e marítimo, abrigava duas repartições importantes – a Alfândega e a Tesouraria Provincial – e contava com uma população numerosa e laboriosa.
Após a apresentação dos argumentos, o projeto foi votado e aprovado por 14 votos a favor e 4 contra. A Resolução nº 11, assinada em 09 de dezembro de 1839 pelo Presidente da Província das Alagoas, Agostinho da Silva Neves, consagrou Maceió como cidade e capital da Província das Alagoas.
A mudança ocorreu no dia 16 do mesmo mês, com a chegada das tropas militares de Pernambuco e Bahia a Maceió, garantindo a segurança durante o processo. A administração da província foi instalada no antigo sobrado do português Francisco José da Graça, localizado na Rua do Comércio, esquina com a Rua da Rosa (depois Rua do Livramento, hoje Rua Senador Mendonça). Atualmente, neste local funciona a loja Óticas Flamengo.
A transferência da capital para Maceió em 1839 foi um marco na história de Alagoas, desencadeando uma série de eventos que culminaram na formação do estado como o conhecemos hoje. Apesar das tensões e controvérsias que cercaram a mudança, ela acabou sendo um passo crucial para o desenvolvimento da cidade.
Hoje, Maceió não é apenas a capital do estado, mas também um importante centro comercial, cultural e turístico. A história de Alagoas serve como um lembrete fascinante de como as decisões políticas e administrativas podem ter um impacto duradouro na formação de uma região.

BIBLIOGRAFIA
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About Ehrlich Falcão

Ehrlich Falcão é Engenheiro Civil graduado pela Faculdade de Engenharia da Universidade Federal de Alagoas – UFAL. Foi engenheiro do Departamento de Estradas de Rodagem de Alagoas – DER/Al e da Prefeitura Municipal de Maceió. Professor aposentado do Instituto Federal de Alagoas – IFAL, Especialista em Transporte e Engenharia de Tráfego pela UFAL, Mestre em Tecnologia pelo Centro Federal de Educação Tecnológica do Rio de Janeiro, Doutor em Ciências da Educação pela Universidade Tecnológica Intercontinental – UTIC em Assunção – Paraguai, Membro do Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas – IHGAL, onde ocupa a Cadeira nº 51, cujo patrono é Francisco Calheiros da Graça; Membro da Academia dos Engenheiros Escritores de Alagoas – ACEAL, ocupando a Cadeira nº 16, cujo patrono é José Arnaldo Lisboa Martins; é pesquisador, palestrante e autor do Livro Memórias de Maceió: I – Origem, fundação e símbolos.

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