EVOLUÇÃO E INOVAÇÃO: A HISTÓRIA DA PONTE DOS FONSECA EM
   18 de dezembro de 2023   │     10:01  │  0

EVOLUÇÃO E INOVAÇÃO: A HISTÓRIA DA PONTE DOS FONSECA EM MACEIÓ
Por: Ehrlich Falcão


A evolução de Maceió está intrinsecamente ligada ao desenvolvimento de sua infraestrutura e transporte. O marco inicial foi a construção de uma singela ponte de madeira em 1835, projetada para facilitar a travessia de pedestres e animais sobre o Riacho Maceió. A Resolução nº 1, datada de 10 de abril do mesmo ano, que ordenou a construção da ponte, também concedeu ao governo a permissão para cobrar uma taxa de animais ou veículos, independentemente de estarem carregados ou não, que passassem pela ponte, até que as despesas fossem reembolsadas.


Com o passar dos anos, a cidade testemunhou a abertura do Canal da Levada, a chegada da inovadora navegação a vapor nas lagoas Mundaú e Manguaba, e a introdução do sistema tramway – um revolucionário meio de transporte público que utilizava um bonde a vapor para transportar passageiros e carga entre Jaraguá e o Trapiche da Barra.
No entanto, a Ponte dos Fonseca, construída em 1869 sobre o mesmo Riacho Maceió, destaca-se como um marco central nessa transformação. Essa estrutura metálica não era apenas uma via de passagem, mas um símbolo de progresso e inovação. Ela facilitava o trânsito entre Jaraguá, Maceió e o Trapiche da Barra, impulsionando o comércio e a economia local.
A obra de arte, mais do que uma estrutura física, tornou-se um pilar da cidade, uma artéria vital que alimentava o coração pulsante de Maceió. Vamos embarcar nesta jornada explorando a construção desta ponte histórica, cujo impacto ainda ressoa na vida de Maceió.
Originalmente, o Riacho Maceió, que desembocava na Praia do Sobral, hoje conhecido como Riacho Salgadinho, dividia a vila em dois bairros distintos: Maceió e Jaraguá. Eles eram interligados por uma ponte de madeira, que permitia a travessia de todos que chegavam à região. Com o aumento do tráfego, a ponte foi reconstruída e ampliada várias vezes para acomodar o trânsito dos carros de bois que transportavam passageiros e cargas para os ancoradouros de Jaraguá e Pajussara.
No ano de 1850, o presidente da província, Dr. José Bento da Cunha Figueiredo (07/1849 a 04/1853), empenhou-se em melhorar a mobilidade e o comércio entre Maceió e Jaraguá. Para isso, ordenou a construção e aterramento da Rua do Algarve, hoje conhecida como Rua do Imperador, com o intuito de reduzir os custos de transporte e impulsionar o comércio local.
Em 1854, sob a presidência de José Antônio Saraiva (10/1853 a 04/1854), iniciou-se o aterro de Jaraguá, atualmente conhecido como Avenida da Paz. A obra foi concluída no ano seguinte, durante o governo de Antônio Coelho de Sá e Albuquerque (10/1854 a 11/1855).
Durante o seu último mandato como Presidente da Província das Alagoas, Sá e Albuquerque (10/1856 a 04/1857) realizou, em 1857, uma obra significativa: a construção de uma nova ponte sobre o Riacho Maceió, interligando a Rua do Algarve com o Aterro de Jaraguá. Com isso, ele concluiu outro caminho de acesso a Jaraguá, facilitando o trânsito de carroças e carros de boi e permitindo uma fiscalização aduaneira mais eficaz. A construção foi realizada pelo comendador José Antônio de Mendonça, ao custo de 16.671$550 (Dezesseis contos seiscentos e setenta e um mil e quinhentos e cinquenta réis).
Em 1862, o governo recebeu autorização para conceder privilégios à companhia que se organizasse para proceder a navegação a vapor das lagoas do Norte (Mundaú) e do Sul (Manguaba) por um período de até 35 anos. Ao assumir o governo, o Presidente Esperidião Eloy de Barros Pimentel (07/1865 a 04/1866), autorizado pela Resolução nº 459 de 26 de julho de 1865, buscou implementar essa importante melhoria. Ele entrou em contato com várias empresas do setor, mas apenas a Companhia Bahiana de Navegação a Vapor enviou um agente à província para fazer os estudos necessários e negociar com o governo as condições para estabelecer a navegação.
No dia 24 de março de 1866, o presidente Esperidião firmou um contrato com a Companhia Bahiana, representada pelo engenheiro britânico Hugh Wilson, para a navegação das lagoas do Norte e do Sul. Como garantia, Wilson depositou 15:000$000 (quinze contos de réis). Adicionalmente, para viabilizar a navegação nas lagoas, ficou acordado que seria construída uma linha férrea do Povoado do Trapiche da Barra até Jaraguá, com um ramal para o centro da capital, utilizando o sistema tramway. Este sistema utilizava bondes, que eram movidos por pequenas locomotivas a vapor, para transportar passageiros e cargas. Na mesma data, foi assinado um contrato para a construção de uma ponte de embarque e desembarque no Porto de Jaraguá.
Dois anos depois, em 25 de março de 1868, durante o governo do Sr. Antônio Moreira de Barros (09/1867 a 05/1868), foi inaugurado o ramal ferroviário Jaraguá – Maceió; dias depois foi concluído o assentamento dos trilhos até o Trapiche da Barra. A estrada de ferro, que interligava as lagoas Mundaú e Manguaba com o porto de Jaraguá, tinha 4,5 milhas de comprimento, ou seja, 7,242 Km, e contava com duas locomotivas, dois carros para passageiros e seis vagões para carga. Maceió foi a terceira cidade do Brasil, depois do Rio de Janeiro e Recife, a inaugurar um bonde a vapor.
A navegação das lagoas foi inaugurada em 16 de setembro do mesmo ano, servindo aos povoados de Coqueiro Seco e Santa Luzia às margens da Lagoa Mundaú, bem como às vilas de Pilar e das Alagoas (hoje Cidade de Marechal Deodoro) às margens da Lagoa Manguaba.
A ponte de madeira existente era frequentemente utilizada pelos pesados vagões da linha férrea, o que acelerou seu estado de ruína. Para resolver o problema, em 08 de junho de 1869, o Presidente José Bento da Cunha Figueiredo Junior (10/1868 a 02/1871) assinou com o engenheiro Hugh Wilson um contrato para a construção de uma ponte de ferro sobre o Riacho Maceió em substituição à ponte de madeira que interligava a Rua do Imperador com o Aterro de Jaraguá. Pelo acordo, o empresário se comprometia a realocar a linha férrea, sem custos adicionais, para alinhá-la com a nova ponte, que seria uma extensão da Rua do Imperador.
A obra de arte, elegante e suntuosa e que custou £ 1,500 (mil e quinhentas libras esterlinas), equivalente a 67:000$000 (sessenta e sete contos de réis) ao câmbio da época, foi entregue no dia 15 de janeiro de 1871, exibindo as características descritas a seguir:
─ 120 pés de comprimento (36,576 m);
─ 42 pés de largura (12,802 m), sendo 30 pés no centro (9,144 m) e 6 pés (1,829 m) em cada passeio lateral;
─ Cabeceiras de alvenaria na largura da ponte;
─ Gradeamento de ferro, de proteção superior (guarda corpo);
─ Sarjetas laterais de ferro, para escoamento das águas pluviais;
─ Calçamento do leito em paralelepípedos;
─ Oito lampiões sobre colunas de ferro bronzeado;
─ Oito colunas de sustentação de ferro fundido, cada uma com 2 pés de diâmetro (0,610 m), preenchidas com concreto.
A estrutura metálica, conhecida como “Ponte dos Fonseca”, foi uma homenagem aos irmãos da família Fonseca que bravamente lutaram na Guerra do Paraguai, conflito que durou de 27 de dezembro de 1864 a 08 de abril de 1870.
O bonde a vapor iniciava seu percurso na Praça Manoel Duarte, seguindo pela Rua Sá e Albuquerque, cruzando o Aterro de Jaraguá e a Ponte dos Fonseca. O trajeto continuava pela Praça Sinimbu e a Rua da Praia, passando ao lado da Enfermaria Militar e chegando à Praça Calabar, atualmente conhecida como Praça da Faculdade. A rota prosseguia pela Rua do Cemitério, hoje Avenida Siqueira Campos, até chegar ao trapiche localizado à beira da Lagoa Mundaú, no Trapiche da Barra. O retorno era feito pelo mesmo caminho.
Pelo ramal para Maceió o bonde fazia o seguinte itinerário: iniciava na Praça Manoel Duarte, seguindo pela Rua Sá e Albuquerque, cruzando o Aterro de Jaraguá e a Ponte dos Fonseca, prosseguia pela Rua Barão de Anadia, Praça dos Palmares, Rua da Lama, atual Rua Dr. Luiz Pontes de Miranda, Rua da Boa Vista e finalmente a Praça dos Martírios.
Em 1871, Maceió deu um passo significativo ao inaugurar o sistema de bonde de tração animal para passageiros e cargas sobre trilhos. Este novo sistema veio como uma alternativa mais econômica ao anteriormente utilizado bonde a vapor, que tinha um custo de operação mais elevado. Em 1914, houve uma nova mudança: o bonde puxado por burros foi substituído por um sistema de bonde elétrico, marcando o início de uma nova era.
Durante 53 anos, a ponte metálica serviu como uma passagem vital para veículos e pedestres sobre o Riacho Salgadinho. No entanto, na noite de 18 para 19 de abril de 1924, intensas chuvas caíram sobre a cidade, elevando o nível das águas do riacho e danificando a ponte. Como resultado, metade da estrutura desabou, tornando-a inutilizável para o tráfego.
Para manter a continuidade do trânsito, uma ponte de madeira foi construída provisoriamente ao lado da estrutura danificada. A firma Cavalcanti & Cia iniciou os trabalhos em março de 1925.
No mesmo ano, o Governador de Alagoas, Pedro da Costa Rego (06/1924 a 06/1928) ordenou a abertura de uma concorrência para a construção de uma nova ponte de concreto armado no local da ponte destruída. A proposta vencedora foi a do Engenheiro José Cortês Singaud, com um valor de 270:350$000 (duzentos e setenta contos e trezentos e cinquenta mil réis). A nova ponte, com 36 m de comprimento e 13,00 m de largura, foi inaugurada em 12 de junho de 1926.
No ano de 1944, a cidade foi palco de uma inundação que resultou em danos humanos e econômicos de grande magnitude. O Riacho Salgadinho transbordou, inundando várias áreas da cidade. No entanto, a ponte de concreto armado resistiu à força das águas, mantendo-se intacta.
Em 1945 o Salgadinho, que originalmente desaguava na Praia do Sobral, foi retificado e mais da metade do seu canal natural foi aterrado. Como resultado, ele passou a desaguar na Praia da Avenida da Paz, ocasionando a perda da função original da ponte.
A Ponte dos Fonseca em Maceió foi um monumento histórico que representou a evolução e a inovação da cidade ao longo dos anos. Construída para substituir uma modesta ponte de madeira, que se transformou em uma estrutura de ferro em 1869, ela marcou um avanço significativo na infraestrutura da cidade, tornando-se um símbolo do progresso tecnológico na época.
A ponte de concreto armado, concluída em 1926, não só substituiu a ponte metálica, mas também continuou a desempenhar um papel crucial no facilitamento do tráfego e do comércio entre Maceió e Jaraguá.
Hoje, embora o Riacho Salgadinho tenha mudado o seu curso e a ponte tenha perdido sua utilidade original, ela ainda permanece de pé, um lembrete tangível da rica história de Maceió e de seu contínuo progresso.

BLIOGRAFIA
Correio Mercantil, anno XXIII, número 104, Rio de Janeiro, 16 de abril de 1866.
Diário de Pernambuco, anno XLVI, número 40, Recife, 19 de fevereiro de 1870.
Diário de Pernambuco, anno 99, número 92, Recife, 20 de abril de 1924.
Diário de Pernambuco, anno 100, número 51, Recife, 03 de março de 1925.
Diário de Pernambuco, anno 100, número 74, Recife, 28 de março de 1925.
Diário de Pernambuco, anno 101, número 126, Recife, 04 de junho de 1926.
Diário de Pernambuco, ano 128, número 258, 3ª secção, Recife, 09 de novembro de 1952.
Falla dirigida à Assembleia Legislativa da Província das Alagoas, na abertura da primeira sessão ordinária da oitava legislatura, pelo presidente da província, Dr. José Bento da Cunha Figueiredo, em 05 de maio de 1850.
Jornal A Província, anno LIII, número 97, Recife, 27 de abril de 1924.
Jornal A Reforma, anno III, número 14. Rio de Janeiro, 18 de janeiro de 1871.
Jornal do Comércio, anno XXXVII, número 229, Rio de Janeiro, 20 de agosto de 1862.
Jornal do Commercio, anno 47, número 265, Rio de Janeiro, 23 de setembro de 1868.
Jornal do Commercio, anno 48 , número 181, Rio de Janeiro, 01 de julho de 1869.
Jornal do Commercio, anno 50, número 46, Rio de Janeiro, 15 de fevereiro de 1871.
Jornal do Recife, anno LXVII, número 92, Recife, 20 de abril de 1924.
Jornal do Recife, anno LXIX, número 72, Recife, 27 de março de 1926.
Jornal Reforma, anno III, número 14, Rio de Janeiro, 18 de janeiro de 1871.
LIMA JUNIOR, Félix. Maceió de outrora. Volume 2. Maceió : EDUFAL, 2001.
Mensagem apresentada e lida ao Congresso Legislativo de Alagoas pelo governador do Estado, Dr. José Fernandes de Barros Lima, na solenidade de instalação, em 21 e abril de 1924, da 2ª sessão ordinária da 17ª legislatura do Congresso.
Mensagem apresentada e lida ao Congresso Legislativo pelo governador do Estado de Alagoas, Pedro da Costa Rego, na solenidade de instalação, em 21 e abril de 1925, da 1ª sessão ordinária da 18ª legislatura. Maceió, 1925.
Relatório com que o Presidente da Província das Alagoas, Dr. Esperidião Eloy de Barros Pimentel, entregou a administração da Província ao 1º Vice-presidente Dr. Galdino Augusto da Natividade e Silva no dia 19 de abril de 1866. Maceió, 1866.
Relatório com que passou a administração da Província da Bahia o Sr. Pedro Leão Velloso ao Sr. Francisco Liberato de Mattos, ambos vice-presidentes, em 15 de outubro de 1866, Bahia, 1866.
Relatório com que o 1º Vice-presidente da Província das Alagoas, Dr. João Francisco Duarte, entregou a administração da província ao Presidente Dr. Antônio Moreira de Barros no dia 09 de setembro de 1867, Maceió, 1867.
Relatório apresentado pelo presidente da província das Alagoas, Dr. José Bento da Cunha Figueiredo Junior, a Assembleia Legislativa da Província, no ato de sua instalação, em 16 de março de 1870, Maceió, 1870.
Relatório lido perante a Assembleia Legislativa da Província das Alagoas no ato de sua instalação em 3 de maio de 1871 pelo Presidente da mesma, Dr. José Bento da Cunha Figueiredo Junior, Maceió, 1871.
Revista Brazil-Ferro-Carril, anno XVII, volume XXX, número 448, Rio de Janeiro, 29 de abril de 1926.

About Ehrlich Falcão

Ehrlich Falcão é Engenheiro Civil graduado pela Faculdade de Engenharia da Universidade Federal de Alagoas – UFAL. Foi engenheiro do Departamento de Estradas de Rodagem de Alagoas – DER/Al e da Prefeitura Municipal de Maceió. Professor aposentado do Instituto Federal de Alagoas – IFAL, Especialista em Transporte e Engenharia de Tráfego pela UFAL, Mestre em Tecnologia pelo Centro Federal de Educação Tecnológica do Rio de Janeiro, Doutor em Ciências da Educação pela Universidade Tecnológica Intercontinental – UTIC em Assunção – Paraguai, Membro do Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas – IHGAL, onde ocupa a Cadeira nº 51, cujo patrono é Francisco Calheiros da Graça; Membro da Academia dos Engenheiros Escritores de Alagoas – ACEAL, ocupando a Cadeira nº 16, cujo patrono é José Arnaldo Lisboa Martins; é pesquisador, palestrante e autor do Livro Memórias de Maceió: I – Origem, fundação e símbolos.

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