CARNAVAL E O CRONISTA
   16 de fevereiro de 2024   │     9:38  │  0

A hora é momesca, estandartes a postos, carnaval… Dias de paixão desenfreada, de completa permissividade… Dias em que todos ficam liberados, entregues a si mesmos, por conta e risco de suas próprias ações; depois os ventos soprarão fortemente as fantasias, vilipendiando as alegorias do carro alegórico, abandonado no asfalto, após o desfile.

Diz-se que o carnaval é uma festa unívoca, é uma festa de todos e de todas as classes sociais, porém é bom frisar que, mesmo sendo o carnaval uma festa de descontração geral, está longe de poder ser comparada a uma festa de princípio de igualdade social.

E pode-se tomar como base, para melhormente avaliar essa afirmação, a literatura.  E para uma reflexão sobre essa questão é preciso ler os renomados cronistas dos séculos passados, ler os que se propuseram, à época, escrever sobre o carnaval brasileiro.

Ao se rastrear o carnaval literariamente, tentando interpretar as argumentações escritas sobre esse fato social, vê-se o significado do apanhado de palavras que o tempo traduz, pois nelas pode-se encontrar, de modo claro, o folião carnavalesco introjetado nas diferenciações existentes nas camadas sociais. Em 1881, um cronista de pseudônimo “Puff”, afirmava que o carnaval vem da canalha e pisa os tapetes fidalgos. Desce do palácio e vulgariza-se na multidão. (Pereira, Leonardo Affonso de Miranda, 1968).

Sabe-se que o carnaval tem uma característica única: há alegria em todos os lugares. Talvez seja essa imagem, passada para todos, que leva a pensar que é o carnaval uma festa de natureza democrática, que ilusoriamente iguala os desiguais.

Mas, a bem da verdade, essa festa cognominada de festa do povo, sabe-se, vivencia-se que tem lá as suas ressalvas; na realidade, no carnaval o povo brinca de povo, como faz também de modo sério no cotidiano, não para seguir o calendário, mas para ganhar a salvação do dia.

Ao sair às ruas diariamente, o povo sempre faz o seu ensaio. E no carnaval de hoje, sem as brincadeiras inocentes de banho de água, de talco e de maisena, e sem poder comprar a camiseta dos blocos, o povo veste a fantasia do dia, do mês, do ano, da vida, ou da morte, e cai no frevo da “pipoca”, e, depois, se a polícia deixar, exausto cai na praia a sonhar que brinca o carnaval até o raiar do dia.

No reinado de Momo, no que relata a historiografia do carnaval, dá para se observar a diversidade social do frevo que, mesmo sem perder a essência, deixa notar que há um carnaval para cada classe social, fazendo repensar o que encontramos do cronista Julio de Lemos em 1883: Os três dias nos nivelam, todos somos iguais.

Vemos a mesma ideia defendida, com maior lucidez, nos escritos do literato Raul Pompéia que, em suas crônicas sobre o carnaval, fala escreveu sobre a animação da folia momesca de mendigos, paralíticos, coxos e cegos. Dizia ele: Sobre estas bases levanta-se o carnaval, rindo como um doido ou um cínico. A gargalhada sobe dos ínfimos. Tem evoluções de classe para classe. Vai do frangalho para o veludo, passando pela ganga cafajeste dos diabos vermelhos. Carnaval das Letras (Pereira, Leonardo Afonso de Miranda- 1968)

         Toda essa construção literária sobre o carnaval, pesquisada nos escritos dos cronistas resulta numa certa imagem orquestrada pela fantasia do Carnaval. Acrescento; é preciso ver a fantasia que veste o carnaval e compará-la com a fantasia que veste o povo; aí teremos a nossa própria fantasia.

E para encerrar o volver dos carnavais na literatura, eis o que escreveu o cronista Augusto Fábregas em um poema inspirado na falta de dinheiro para brincar o carnaval: Vamos entrar no reinado / Da alegria e da loucura / Dizem que a festa promete / Porque há dinheiro em fartura /afinal, se há dinheiro / Pra o carnaval que adivinho / O meu, coitado, nem chega / Pra vestir-me de diabinho. Feliz Carnaval!

About Petrúcia Camelo

Petrucia Camelo, poetisa e escritora. Formada em Serviço Social pela UFAL. Tem Pós-graduacão em Literatura Brasileira. Nasceu em Viçosa “Atenas de Alagoas”. Vive em Maceió-AL. Casada com o medico e escritor Antonio Arnaldo Camelo, Mãe de cinco filhos. Publicou 12 livros: memórias, poesias, Infanto Juvenil- dois livros premiados.

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