A maturidade me trouxe a convicção de certas ideias que eu já considerava como certas. Eu me refiro, neste momento, à nossa jornada aqui na terra. Para uns, a estrada é curta; já para outros, ela pode ser longa ou esticada até demais. Eu gostaria que a minha fosse longa, porém, produtiva, consciente e participativa. Quando vivemos muito, as nossas referências vão partindo e nos deixando, uma a uma. Os que ficam não fazem parte da nossa história anterior, aquela história de quando éramos crianças, adolescentes ou adultos jovens, cheios de entusiasmo e de garra.
Quantas histórias vividas com familiares, amigos, colegas e mestres! Histórias que ajudaram a formar, bem ou mal, a nossa personalidade, o nosso equilíbrio emocional. Mamãe teve seis irmãos. Desses, só não convivi com a tia Eurídice, que morava no Paraná e só uma vez nos visitou em Olinda. Já meu pai teve cinco irmãos. Todos, muito próximos. De todos esses onze tios, só uma está viva, mas quando a visito, fico a procurar resquícios daquela tia sempre alegre, que adorava passear e brincar com os sobrinhos. Esquecidinha, nem sabe mais quem somos. Hoje, sinto-me um pouco vazia e, paradoxalmente, repleta por ter tido o privilégio de tê-los por tanto tempo. Além deles, já se foram meus pais, avós, alguns primos, cunhados e amigos. Os que vieram depois são muito importantes, principalmente filhos e netos. São tesouros; presentes divinos. Mas não são as minhas referências. Eu é que serei a referência deles. Espero que tenham bons momentos para recordar como eu os tenho. Aqui não vai nenhum lamento, apenas gratidão e saudade muita.
Na semana passada, eu ia atravessar a rua que estava deserta, desci da calçada e, de repente, dobrou um carro na esquina. Continuei abaixo do meio-fio, pois havia um carro estacionado, e eu estava bem na sua frente; naturalmente, ele me protegia. O motorista diminuiu a velocidade e gritou: “Pra calçada, véinha!”. Eita, a realidade bateu à minha porta, cruelmente. Quando fiz sessenta anos fui barrada por uma policial que não acreditou que eu já era uma sexagenária. Ela achou, com certeza, que eu estava usufruindo o direito de passar na frente dos outros antes do tempo, ou seja, burlando a lei. Quando insisti que já fazia parte da terceira idade, com a cara feia ela me exigiu os documentos comprobatórios.
E assim foram muitos e muitos casos. As minhas ex-alunas sempre me perguntavam pelo elixir que eu tomava ou pelo creme que eu usava. Certa vez, uma aluna de seis anos de idade entrou na sala e ficou assistindo à minha aula. Ao me ver fazer um “detiré” (pé na mão), exercício muito comum que nós bailarinos fazemos para a extensão da perna, falou: “Tia, licença! Você tomou algum antídoto contra a velhice?”. Foi uma risadaria geral. Ela, muito séria, não gostou da reação dos alunos. Tive de lhe dizer que adorara a sua observação e que ela era muito inteligente. É, Eliana, mas agora a ficha caiu! Chegou
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a velhice. Mas é tudo tão relativo! Interiormente me sinto jovem e com forças para continuar a minha missão nessas paragens.
A vida é uma luta permeada de batalhas, umas curtas e outras duradoras. Entre uma e outra, felizmente existe a trégua. Benditas tréguas, que ajudam a dar leveza ao nosso caminhar! Espero continuar por aqui muito tempo ainda, curtindo a família, o balé e a literatura, minhas mainmaiores paixões.
De você só poderia esperar essa riqueza de análise, de perspicácia, de boa literatura.
Grata, Geraldo! Fico feliz com o seu comentário. Abração
Que relato maravilhoso Eliana!! A vida realmente vai passando para todas nós!! Já me sinto nesse caminho, de olhar o que fiz, os que foram e os que irão ficar!! Mas você com certeza nos deixou marcas muito especiais e felizes em nossas vidas!! Gratidão sempre!!
Que bom, Jeane! Beijos
Eliana , ri e me emocionei com suas reflexões; emoção de gratidão, como você se referiu no texto, por ser sua orgulhosa plateia, na vida e no palco .
Você é uma maravilhosa referência para minhas filhas e netas . ..
Grata pelas generosas palavras, minha amiga Lausanne!