Lá pras bandas de Pindoba, conheci uma viúva, dona de uma carvoaria. Atendia a freguesia com certa presteza. Como era muito dentuça, os seus dentes alvos, sempre à mostra, estavam permanentemente contrastando com o pó preto que a envolvia. Criou a filha, Maria Rosa, como princesa, longe do carvão. Dizia sempre: “E isso é vida! Sempre suja, sempre suja!”. Quando a menina ficou mocinha, a sua preocupação era casá-la com alguém de melhores condições. Não queria que a filha tivesse o mesmo destino que o seu.
Author Archives: Eliana Cavalcanti
O tiro saiu pela culatra
“Pra calçada, véinha!“… Eu não dei por esta mudança,tão simples, tão certa, tão fácil:(Cecília Meireles)
5 de junho de 2023
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A maturidade me trouxe a convicção de certas ideias que eu já considerava como certas. Eu me refiro, neste momento, à nossa jornada aqui na terra. Para uns, a estrada é curta; já para outros, ela pode ser longa ou esticada até demais. Eu gostaria que a minha fosse longa, porém, produtiva, consciente e participativa. Quando vivemos muito, as nossas referências vão partindo e nos deixando, uma a uma. Os que ficam não fazem parte da nossa história anterior, aquela história de quando éramos crianças, adolescentes ou adultos jovens, cheios de entusiasmo e de garra.
O AMOR NA ARTE DA DANÇA CLÁSSICA
10 de maio de 2023
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“Quando fala o amor, a voz de todos
deuses deixa o céu embriagado.”
William Shakespeare
Certa vez, estava dando uma aula de balé para adultos iniciantes e comecei a explicar a importância da questão postural na Dança Clássica. Falei que todos deveriam prender o baixo abdome e, ao mesmo tempo, imaginar que a tal região seria como uma caldeira dos navios antigos. Dessa fornalha deveriam sair chamas que subiriam elegantemente passando pelo umbigo, por entre os seios, pelo nariz e brilhariam ao sair pelo topo da cabeça, se transformando num feixe de luz. Um dos alunos presentes, falou de imediato: “Consigo ver o meu feixe de luz. Ele é lilás brilhante!” Daí, como se todos fossem crianças, começaram a brincar com o imaginário. Ao tentar escrever algo proveitoso sobre o belo sentimento do amor, fechei meus olhos e fiquei a imaginar de que cor e forma seria o amor que trago comigo. Sem muito esforço me vieram bolinhas translúcidas e multicoloridas como as de sabão que brincávamos quando crianças. Assim como meus alunos tiveram cores em nuances diferentes sobre aquele fio condutor da postura, o amor, esse sentimento vital e universal, se manifesta de maneira singular, pois cada um o sente à sua maneira. E, pela mesma pessoa, também em formas diferentes, dependendo do objeto amado ou do momento.
Adelaide
5 de abril de 2023
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Onde está Adelaide? Essa pergunta ecoava pelos corredores e oitões da casa, sempre que a menina desaparecia das vistas do mundaréu de gente que vivia naquela propriedade. Todas as filhas do seu Manoel Ignácio tinham medo dos gritos e ordens do pai. Só não aquela sapeca destemida que o pai tentava, em vão, trazê-la a rédeas curtas. Escorregadia, teimosa, desobediente, porém carinhosa e cheia de artimanhas, sabia como engazopar o seu Manoel.
Adelaide vivia o hoje, sempre escapulindo das obrigações diárias que o pai, viúvo convicto – jamais aceitou casar outra vez, por achar que já tinha mulher demais na sua vida –, distribuía para as oito filhas, com o intuito de ensinar-lhes o que era dever e obrigação, preparando-as, naturalmente, para que fossem boas esposas. Adelaide, a caçulinha, passava o dia lendo ou subindo em árvores. Um enorme cajueiro era a sua árvore favorita que, com seus pingentes dourados, ouvia as suas queixas e sonhos. E o pai ralhava: “Adelaide, desça daí, parece uma moleca! Venha ajudar suas irmãs!”.
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