O AMOR NA ARTE DA DANÇA CLÁSSICA
   10 de maio de 2023   │     12:12  │  1

“Quando fala o amor, a voz de todos
deuses deixa o céu embriagado.”
William Shakespeare

Certa vez, estava dando uma aula de balé para adultos iniciantes e comecei a explicar a importância da questão postural na Dança Clássica. Falei que todos deveriam prender o baixo abdome e, ao mesmo tempo, imaginar que a tal região seria como uma caldeira dos navios antigos. Dessa fornalha deveriam sair chamas que subiriam elegantemente passando pelo umbigo, por entre os seios, pelo nariz e brilhariam ao sair pelo topo da cabeça, se transformando num feixe de luz. Um dos alunos presentes, falou de imediato: “Consigo ver o meu feixe de luz. Ele é lilás brilhante!” Daí, como se todos fossem crianças, começaram a brincar com o imaginário. Ao tentar escrever algo proveitoso sobre o belo sentimento do amor, fechei meus olhos e fiquei a imaginar de que cor e forma seria o amor que trago comigo. Sem muito esforço me vieram bolinhas translúcidas e multicoloridas como as de sabão que brincávamos quando crianças. Assim como meus alunos tiveram cores em nuances diferentes sobre aquele fio condutor da postura, o amor, esse sentimento vital e universal, se manifesta de maneira singular, pois cada um o sente à sua maneira. E, pela mesma pessoa, também em formas diferentes, dependendo do objeto amado ou do momento.

Quantas facetas tem o amor? Seria impossível enumerá-las, dada a complexidade do sentimento. Podemos citar apenas algumas dessas facetas de como, pessoalmente, vejo o amor: benevolente, sutil, generoso, amigo, maduro, imaturo, complicado, parceiro, solícito. O amor inebria, deixa o sorriso frouxo, a alma leve, a pele e os cabelos viçosos, os olhos brilhantes, o coração transbordante … Você poderia me dizer: “Mas isso é paixão!” E o que é a paixão se não o preâmbulo do amor? A paixão é sempre intensa e envolvente; uma atração ou desejo forte por algo que nos prende a atenção. Alguns ficarão só na paixão. Nesse caso, podemos dizer que não era o amor de fato. O amor verdadeiro não deve ser fruto de uma chama ardente, porém, fugaz. O endereço para qual vai o amor não está no nosso controle; escapa à nossa compreensão. O amor, tal qual a fé, não se explica, apenas, se sente. E amar é tão maravilhoso quanto se sentir amado. É o farol que ilumina a nossa existência.

Fomos criados pelo Amor Maior, onipotente, onisciente e onipresente, o Senhor de todas as coisas. O amor está, portanto, intrínseco em nossas almas: sem fórmulas, regras ou teorias. Sabemos da sua diversidade e complexidade. Nos Dez Mandamentos da Lei de Deus, está escrito: “Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma, e de todo o teu entendimento!” E o segundo: “Amarás ao teu próximo como a ti mesmo” (Mateus 22, 37-39). Os Dez Mandamentos podem ser sintetizados nesses dois primeiros. Eles regem todos os demais. Neles estão a nossa reverência e o nosso amor ao Criador e, como consequência, aos nossos irmãos.

Tão rico e tão vasto, o sentimento do amor tornou-se uma das temáticas mais discutidas na história humanidade, seja através da arte, da literatura, da psicologia, da psicanálise ou da filosofia. E quantas são as formas de amar? Quem se atreve a contar? Impossível!

Podemos elencar algumas formas: amor filial, amor amizade, amor ao próximo, amor afetivo e sexual, amor ao conhecimento, amor às plantas, amor aos animais, amor à arte. Acreditamos ser o relacionamento afetivo e sexual, aquele que ocupa, em larga escala, o lugar mais importante, pois se trata da vivência mais significativa da humanidade, fortalecendo a qualidade de vida e, na maioria dos casos, a perpetuação da espécie humana. Também importante é a família biológica ou não, que deverá ser formada pelo e para o amor, pois dela depende o equilíbrio da sociedade. Segundo afirmação do escritor Rui Barbosa( 1849 – 1923), ela é a “célula mater da sociedade.”

Entre os relacionamentos amorosos mais importantes da história da dança, e mais especificamente do balé, destacamos as figuras de Odette e do príncipe Siegfried, personagens centrais da famosa obra do repertório clássico mundial, “ O Lago dos Cisnes”, cuja estreia se deu no Teatro Bolshoi, em Moscou, no dia 20 de fevereiro de 1877. “O Lago dos Cisnes” é um balé dramático com quatro atos, coreografado a partir da belíssima obra do compositor russo Piotr Ilitch Tchaikovsky e com o libreto de Vladimir Begichev e Vasily Geltser. A sua estreia foi um fracasso. Não, obviamente, por causa da maravilhosa partitura de Tchaikovsky, mas, segundo registros, por vários outros motivos. Resumindo: a obra não foi bem compreendida ou aceita pelo público, naquele momento.

Em 1894, foi feita uma homenagem ao compositor, poucos meses após a sua morte. Numa versão sucinta, foi encenado apenas o 2º ato e coube ao coreógrafo Lev Ivanov fazê-lo. Logo depois, Marius Petipa, coreógrafo francês radicado na Rússia desde 1847, debruçou-se sobre a obra completa, revendo o libreto, a música e, juntamente com Lev Ivanov, propôs mudanças que fez com que a obra se tornasse um grande sucesso até os nossos dias. Segundo Eliana Caminada, bailarina, professora e pesquisadora do balé, no e-book “Lições de Ballet”, Modest Tchaikovsky, irmão do compositor, colaborou com o libreto de modo a ajustá-lo às mudanças na história e às inclusões ou exclusões de peças musicais.

Conta a história que Petipa esteve adoentado e não pode assumir o compromisso totalmente. Com isso, Ivanov, que era seu assistente, teve a maior oportunidade de sua vida ao coreografar grande parte da obra. O Romantismo já havia perdido a sua força, mas, aqui e acolá, fazia intervenções nas diversas formas de arte. Era o Romantismo tardio que se manifestava no final do século XIX.

Dois excelentes coreógrafos, com pensamentos diferentes, tornaram “O Lago dos Cisnes” uma obra riquíssima, pois, enquanto Marius Petipa não apoiava os balés com muito lirismo, truques e contos de fadas, Lev Ivanov ainda concebia toda aquela atmosfera de magia e encantamento e irrealidade, características do Romantismo. Com isso, resultou numa obra fascinante, tendo Petipa ficado com a responsabilidade dos atos ímpares (classicismo) e Ivanov com os atos pares (romantismo tardio) . Essa fusão deu muito certo e consagrou a obra. A estreia dessa versão, que podemos considerar definitiva, se deu em 15 de janeiro de 1895, no Teatro Mariinsky, em São Petersburgo (Rússia).

About Eliana Cavalcanti

Nasceu em Maceió/Alagoas e aos dois anos de idade passou a morar em Olinda-Pernambuco. Aos oito anos iniciou seus estudos de balé em Recife, aos quinze anos passou a ensinar balé na sua escola. Atuou como primeira bailarina do Grupo de Ballet do Recife. Em 1973, casou-se e passou a residir em Maceió, onde fundou o Ballet Eliana Cavalcanti e, em 1981, o Ballet Íris de Alagoas (1981-2002). Bailarina, coreógrafa e mestra com 57 anos dedicados ao ensino do balé, Eliana também é escritora e Mestra em Literatura pela Universidade Federal de Alagoas (2009) e sócia efetiva da Academia Alagoana de Letras, desde 2012. É autora de três livros e organizou um outro. Tem diversos contos, crônicas e artigos publicados em jornais, revistas literárias e sete antologias. Dentre seus prêmios e distinções, destacam-se: Medalha Jorge de Lima ( Governo de Alagoas/ 1995), Prêmio Concorrência FIAT/1990 com o espetáculo “Certas Emoções”; 2º lugar em coreografia (Bento Gonçalves - RS-1995); diploma de Benemérita das Artes (SECULTE /2001); Comenda Mário Guimarães (Câmara dos Vereadores /2002), Diploma de Construtores da Dança em Pernambuco (Conselho Brasileiro de Dança /2004); Membro da Ordem do Mérito dos Palmares, no grau de Oficial (Governo de Alagoas/2008), Comenda Senador Arnon de Mello (Instituto Arnon de Mello/ 2008); Comenda Nise da Silveira (Governo de Alagoas/2013); Prêmio “Mulheres que escrevem” ( SECULTE/ 2023).

COMENTÁRIOS
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  1. chantal frazão

    Cara Eliana. Depois de uma semana viajando, não tive tempo de ler seu texto. Somente hoje de tarde consegui um tempinho para poder me debruçar sobre seu maravilhoso relato. Bem, já lhe falei que estudei balé clássico e que minhas duas professoras eram ex-bailarinas da Ópera de Paris. Portanto, até hoje, a dança clássica – e a moderna – me interessa tremendamente. Em determinado momento, você fala a respeito de um dos mais famosos balés clássicos: O Lago dos Cisnes.
    Um tempo atrás, eu estava em casa quando, passando na frente da televisão, vi uma cena que me intrigou fortemente. Era um trecho do filme BILLY ELLIOT. Aqui a sinopse da obra: A vida de um menino, filho de mineiro, muda quando ele assiste a uma aula de balé. O garoto, dono de um talento natural para a dança, fica dividido entre sua inesperada paixão e os problemas de sua família, que é contra sua nova atividade.
    A cena em questão mostrava alguns bailarinos homens trajando uma estranha roupa: umas penas brancas cobrindo seus corpos. Me parece que era a cena final do filme, não tenho certeza, não lembro bem. Acontece que o pouco que vi me deixou curiosa, então fiz uma pesquisa pela Internet. Foi então que descobri o seguinte: os bailarinos do filme interpretam O Lago dos Cisnes na sua versão GAY! Veja só!
    Querendo entender mais, descobri o seguinte: o famoso bailarino russo Rudolf Nureyev foi o primeiro a declarar que a delicada Odette só podia ser um homem, mas que, infelizmente não era possível lançar essa ousada versão na época, no século XIX, em que o balé apareceu nos palcos! Segundo Rudolf, o homossexualismo do compositor Piotr Tchaikovski era amplamente conhecido. Ademais, o príncipe só podia ser o Luís II, o Rei da Baviera, apelidado de Rei Cisne ou Rei de Conto de Fadas, que era igualmente homossexual!
    Depois de tomar conhecimento da alegação do Rudolf Nureyev, o coreógrafo britânico Matthew Bourne resolveu criar a versão GAY, essa mesma que figura no filme intitulado Billy Elliot.
    A partir daí, fiz de tudo para descobrir se seria possível assistir a essa surpreendente coreografia! Descobri que o balé seria apresentado no palco do teatro MOGADOR em Paris. Sabendo disso, resolvi passar uma semana de férias na minha antiga cidade. Comprei dois ingressos e levei o marido para apreciar a obra. Só um detalhe: não falei nada para ele, eu quis fazer uma surpresa para meu marido. E que surpresa! Antônio já está acostumado com as escolhas diferenciadas da esposa!
    Gostei parcialmente do balé. Havia duas coisas que me incomodaram muito. Para começar, a climatização do teatro não era bastante refrigerada, portanto os peitos suados dos bailarinos brilhavam demais por causa do calor! Além disso, o moço que representava o príncipe era muito baixinho e franzino. Em contrapartida, o rapaz, que representava o cisne, era graúdo, imenso. Quando o príncipe precisava carregar o cisne nos braços, parecia um anão tentando levantar uma moçoila obesa! Em outro momento, o príncipe se deita no meio da cama real. Dava para ver o quanto ele era miúdo, ele lembrava um neném de colo deitado num largo colchão tamanho King size. Esses dois detalhes estragaram minha curtição. Talvez fosse de propósito, para deixar o público numa situação desconfortável. Saí do teatro parcialmente contente, mesmo assim, valeu a pena!

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