Lá pras bandas de Pindoba, conheci uma viúva, dona de uma carvoaria. Atendia a freguesia com certa presteza. Como era muito dentuça, os seus dentes alvos, sempre à mostra, estavam permanentemente contrastando com o pó preto que a envolvia. Criou a filha, Maria Rosa, como princesa, longe do carvão. Dizia sempre: “E isso é vida! Sempre suja, sempre suja!”. Quando a menina ficou mocinha, a sua preocupação era casá-la com alguém de melhores condições. Não queria que a filha tivesse o mesmo destino que o seu.
Um dia, aquela menina serelepe desde nascença se enrabichou pelo filho do seu Malaquias, dono de uma mercearia que de tudo vendia: prego, querosene, ralador de coco, alguidar, sabonete, pirulitos em forma de bonecos ou de bichos, pião, arroz, feijão, farinha, fumo de corda, rapadura, açúcar, manteiga, agulha, linha, caderno, lápis, pente… Enfim, um sortimento que o fazia ser considerado um homem rico, pelos moradores daquele lugar. Zé Bento, filho do comerciante, era o rapaz mais cobiçado da região, embora de estudo nada quisesse saber e do trabalho corresse às léguas. Só levantava para almoçar; passava a tarde na paquera com a Rosinha, e à noite, ficava na praça, jogando gamão com os mais velhos.
Certo dia, a mãe de Maria Rosa, que não desconfiava de nada daquele namorico, teve uma vertigem e foi acudida por uma freguesa que a levou para casa, numa tonteira de dar gosto. Ao chegar, muito fraca e amparada por aquela mulher, deparou com a filha no seu quarto, com os bicos dos peitos intumescidos, aparentes através de uma camiseta de malha, em consequência dos beijos lambidos que Zé Bento lhe arrochava na nuca. E a mãe, ao ver a cena, desmaiou de mentira. Quando voltou a si, teatralmente, diga-se de passagem, parecia agulha enganchada na vitrola, pois repetia sem parar: “Sem-vergonha! Ai, se seu pai fosse vivo!”. Transtornada, e sempre na encenação, correu à mercearia e fez um escândalo danado. Toda a cidade tomou conhecimento do fato. E, como brincadeira de telefone sem fio, as mais variadas versões foram surgindo, numa riqueza de detalhes de escandalizar qualquer um. A maledicência tomou conta daquele lugar.
O casamento aconteceu. A mãe morreu feliz, de um ataque fulminante, poucos dias após a cerimônia. Partiu acreditando que tinha feito o melhor para a sua Rosinha. Porém, os cochichos e dedos apontados martirizavam a moça. E a nora do seu Malaquias, envergonhada com a toda a boataria que se espalhou pelos quatro cantos da cidade, foi entristecendo e definhando. Vivia a vagar pelos cantos da sua nova casa. O jovem Zé Bento nunca levantou um dedo para defender a sua honra e, com pouco tempo, já tinha outras mulheres. Aquilo lhe pesava muito. Até que um dia não mais levantou da cama, e nem sequer tomava banho. Morreu com o corpo encolhido e a alma enegrecida pela vergonha daquilo que não fez.
Eliana Cavalcanti
Em março de 2020