A DEGOLA*
   7 de agosto de 2023   │     8:24  │  0

 

Vamos deixar a liberdade reinar. (Nelson MANDELA, Discurso de posse)

JÁ HAVIAM ESCORRIDO MAIS DE DEZ ANOS DESDE que o Capitão André Furtado de Mendonça presidiu a degola de Zumbi dos Palmares. Só que ainda acordava sobressaltado, noite após noite, suando frio, os olhos arregalados e o coração num galope desembestado.
Era sempre aquele pesadelo quase sólido que teimosamente o atormentava: lá estava, bem à sua frente, o olhar desafiador do condenado, ao se dar conta de que não mais havia jeito a dar. É que já apontava para a sua nuca o facão que rasgaria o vento e decretaria o fim definitivo da sua existência e do que tinha por sua cruzada. Naquele olhar, entretanto, em vez de se ler medo ou raiva, lia-se pouco caso que se misturava com um ar de desprezo e nojo. Ou, pelo mais certo, um sorriso de mangação.


Era como se Furtado de Mendonça, a cada noite, revivesse aquela cena medonha que nunca se desgrudava do
juízo. Até mesmo para ele que, sendo soldado, seria de se es-
perar intimidade com a truculência que asselvaja os relatos das batalhas campais. Ainda assim, chegou a avistar insolência naquele negro insurgente.
O que enxergou ou quis fazê-lo, talvez, no sufoco para justificar a própria crueldade a si mesmo. Ou então porque lhe botaram na cabeça que aquela criatura não era mais do que um bicho atrevido, intolerante, impiedoso e sedento do sangue dos portugueses e dos brasílicos. Diziam que era do tipo que esganava todo aquele que não lesse pela sua cartilha. Fosse inimigo ou amigo do peito ou decaído. E o fazia sem dó nem piedade.
Também não tinha um tico de pena dos colonos, cujas moradias estavam espalhadas até onde a sua afoiteza alcançava. Dependendo do que pretendesse, tomava-lhes o que tivessem de animais de criação, de grãos colhidos ou prontos para o serem, roupas, armas. E tocava fogo em tudo o que era de cercados, barracões e abrigos. Para não falar que lhes arrancava a virgindade das filhas, as fidelidades das esposas e enfim as vidas de quem levantasse um dedo para um tímido e inútil protesto. Daí o motivo daquela aflição que estragava os dias da gente toda das vilas e dos arruados das redondezas. E explica, de certa forma, ter o povo do Penedo, de Alagoas, de São Miguel dos Campos, de Santa Luzia do Norte e até de Porto Calvo, aderido à campanha marcial desatada contra os insurretos do Outeiro da Barriga.
Diziam, mesmo, que Zumbi era tão cobiçoso que chegava ao ponto de nem poupar os seus parentes, quando se tratava de impor os seus caprichos e fazer valer a sua avidez pelo poder. Com ele não havia meio termo nem panos mornos. Ou era ou não era. Brincou, não leu, pau comeu.
Contava-se que chegou a mandar envenenar o próprio tio, que atendia (não se sabe ao certo) por Ganazumba ou Gangazumba. Zumbi não concordou com um acordo de paz que ele teria estado a tratar com os leva e traz da coroa portuguesa. Via naquele arranjo uma imunda traição a tudo o que era de ne- gro fugido ou liberto, amulatado, índio e até brancos azedos que acreditaram e continuavam acreditando na liberdade prometida, pelo que ficou nas crônicas como a República dos Palmares.
Capitão e líder da volante que rendeu e apresou Zumbi, Furtado de Mendonça chegou a pensar em mandar acorrentá-lo e fazê-lo cansar a caminhada até o Recife. Foi quando entrou em cena Antônio Soares, um também Guerreiro do Mato que havia sido liderado por ele, e que foi convencido, à força do que se possa imaginar de promessas, a entregá-lo aos que o caçavam. Melhor dar logo fim nele. Não se podia negar, sim, que havia um grande risco do valente escapar ou ser resgatado no meio do caminho. Um muito provável que, caso acontecesse, poria uma pá de cal na carreira do capitão. Contra a vontade, ou não, o certo é que mandou degolá-lo.
Mas não mexeu um dedo quando algum miliciano resolveu amputar uma das mãos do justiçado e depois castrá-lo. Muito menos quando enfiaram o pênis arrancado na boca do defunto. Quanto a esta última parte, não se sabe muito bem o porquê. Embora malde Luiz Mott, calçado numa mão de motivos que lista, que foi um jeito de degradá-lo por uma pederastia que se boatava.
Tudo feito, a tempo e hora, lá veio Furtado de Mendon-
ça a ordenar que a cabeça fosse salgada e enfiada num saco.
Com aquele arranjo é que seria levada ao Recife, como de fato
o foi, sem o risco de que apodrecesse antes de chegar por lá.
Só assim, aliás, não se desmancharia a prova da sua façanha nem se atrapalharia a festa que haveriam de fazer.

 

MAS SE FAÇA JUSTIÇA. FURTADO NÃO TEVE NADA a ver com a exibição macabra, na ponta de um poste mandado plantar no Pátio do Carmo, da cabeça charqueada do rebelde. Isso havia ficado por conta de Caetano de Melo e Castro, Governador – Geral da Capitania de Pernambuco. Ele, quem concebeu e mandou montar aquele sinistro espetáculo. Na certa para agradar a Dom Pedro II, que por aqueles dias era o Rei de Portugal e Algarves. Ao menos pelo que se tira do quanto disso se gabou na carta amanteigada que enviou ao monarca.
Embora procurasse fazer crer, com a cara lisa dos aduladores dos poderosos, que fizera aquilo para dar exemplo aos reinóis: que todos vissem, com os mesmos olhos que os vermes haverão de comer, o que estava guardado para cada um que ousasse rebelar-se contra as vontades do soberano.
Não que Furtado sentisse a mordê-lo, lá dentro das suas vísceras, um tico de remorso tardio que não servia para coisa nenhuma. Nada disso. Convencia-se de que mais não tinha feito do que cumprir ordens. Afinal de contas era um soldado. Uma simples desculpa esfarrapada que já não era novidade naqueles idos agora tão remotos.
Além do mais, a escravidão era abonada pelas leis dos homens e abençoada pelos preceitos do sempiterno: as leis vinham do que se passava na mente da fronte coroada e eram anunciadas nas ordenações, nos editos e nos pregões; a bendição divina era garantida pelo Papa e proclamada nas suas encíclicas, cartas apostólicas e outros ditados. Os padres e freis, com sermões verbosos derramados dos púlpitos, encarregavam-se de espalhar tais decretos da providência divina. Para não dizer que as leis dos homens, como ainda hoje se dá, vêm daqueles que usurpam o poder do povo. Embora digam, e os comuns acreditem, que vêm da vontade geral. Já os mandamentos ditos de Deus impõem-se pelo risco do ameaçado fogo do inferno. E se não há retórica que prove que tal forno existe, também não há evidência de que seja invencionice. Melhor, portanto, não se arriscar.
Quem era Furtado, afinal de contas, para se amotinar contra tais comandos terrenos e divinos? Tanto o Rei quanto o Papa eram procuradores do sempiterno. O Papa, então, com amplos poderes, até mesmo, para antecipar na terra o que se daria por ligado no céu. A Furtado, destarte, simples súdito e mortal, só sobrava cumprir à risca o que lhe mandavam fazer, ainda que a contragosto. E, no caso, fez o que lhe cabia fazer e pronto. Não havia do que se arrepender. Logo, sem sentido que aquele fantasma permanecesse a mastigar-lhe a paciência com tanta danação.
Mas o fato é que aqueles endiabrados pesadelos teimavam em não deixá-lo em paz. E nisso vivia atropelado por aquela memória ensopada de ódio, suor e sangue. Assombravam-lhe, mais que tudo, aqueles olhos esbugalhados que saltavam, como se ainda vivos e bulindo estivessem, da cabeça destroncada. Teria realmente agido por força das leis humanas e celestiais? Ou teria sido mais real do que o rei, na ânsia de mostrar serviço ao monarca, afagá-lo com sua lealdade servil e assim merecer a sua simpatia e favores?
Para completar, era como se lhe gritasse no ouvido a
única fala que escutou de Zumbi, desde a hora em que foi ele agarrado e amarrado num tronco de árvore, até quando afinal ajoelhado e dobrado, à força, para descomplicar a tarefa do carrasco. Aquela frase de Zumbi, dita na língua da sua gente, quando cochichou, palavra por palavra, que matá-lo e aos seus guerreiros não mataria o sonho de liberdade que lhes estava a cobrar as próprias vidas.
Ainda por cima, lá era Furtado de Mendonça sacolejado por uma dúvida que se não cansava de golpeá-lo: a de que de nada lhe teriam valido os cinquenta mil réis que o monarca lusitano mandou lhe fosse dado, como prêmio pelo apresamento, morte e amputações do líder dos rebeldes. Quanto mais as felicitações nada convincentes de Domingos Jorge Velho, de quem Furtado dizia, claro que pelas costas, que não era mais do que um mercenário que arrebanhava e conduzia mercenários. Aqueles homens que se não envergonhavam de se terem feito feras.
No fim das contas, as glórias e os privilégios ficaram mesmo foi para o Governador-Geral da Capitania do Pernambuco. Este, sim, não demorou para se ver Vice-Rei da Índia Portuguesa. E mais tarde ser ainda mimado com a Co- menda de Santa Maria de Oliveira de Azeméis. A ambição gargalha das desgraças que arrasta.
Como se não bastasse, os poderosos usurpam os louvores pelos benfeitos dos que os servem nas sombras. E, pelos próprios malfeitos, atiram, nos costados deles, a culpa, a responsabilidade e a vergonha. Chegam mesmo a puni-los, quando lhes dá na telha, pelos erros que não foram eles que praticaram.

AINDA FAZIA NOITE QUANDO OS GUERREIROS foram acordados pelo alvoroço, pelo vozerio e pelo clamor do tinir das espadas. Vinham lá de fora. Mas era como se estrondassem dentro do abrigo improvisado. Mais assustados que despertos, levantaram-se todos quase como que sincro- nizados. E entre eles Zumbi, o guia arrojado a quem haviam aprendido a ouvir, confiar e seguir.
Eram eles os audaciosos Guerreiros do Mato. Obedeciam cegamente a Zumbi. Mesmo quando os seus comandos eram chegados na companhia do anúncio de morte quase certa. Mas não tanto por ele. Pelo que encarnava e pela esperança que batia o pé e não o deixava esmorecer. A esperança, tal e qual a desilusão, é quase sempre tão contagiosa quanto o coronavírus.
Há pouco menos de dois anos que se haviam exilado no ventre daquela grota que as eras rasgaram na Serra dos Dois Irmãos. Alguns ali chegados ainda inteiros, outros faltando pedaços. O próprio Zumbi viera manquejando. Trazia na coxa um rombo profundo que lhe fora aberto por um golpe de espada ou um tiro certeiro. E bote tempo para que finalmente sarasse, apesar das meizinhas que, nos arraiais, ouvira serem ensinadas pelas curandeiras.
Todos, porém, ainda azoados pela gritaria e pelos ge-
midos que haviam atordoado os campos de batalha, pelos zunidos das flechas que não escolhiam alvos e pelos ruídos metálicos das espadas que se enfrentavam. Os olhos vermelhos e lacrimejantes contavam o furor da fumaceira que sufocara os arraiais incendiados. Os fungados espantavam o
cheiro azedo de morte que subia das centenas de cadáveres entulhados de homens, mulheres, meninos, meninas, bichos
e até crianças de peito. Pior que tudo isso, porém, o gosto amargo das derrotas que lhes esbofetearam a autoestima e quase lhes derreteram a altivez.
Não houve jeito que desse jeito. Arderam todos os mocambos do quilombo da Serra da Barriga e todos mais que existiam pela vizinhança. E com eles, além dos bravos exterminados pelas armas brancas e de fogo dos sitiantes, aquele mundo de negros, mulatos e índios que buscaram socorro naquelas bandas. A ordem de Domingos Jorge Velho era a de que não sobrasse vivo nada que se mexesse por si nem de pé nada que não respirasse. Deu-se fim a tudo. Não restou um só mocambo, um só chiqueiro, um só varal, um só metro de paliçada.
Não havia tempo a perder. Pouco interessava, àquela altura, tentar adivinhar o que fizera o trânsfuga bater com a língua nos dentes. Se é que, naquela altura, já sabiam da perfídia. Mas é assim mesmo: só pode trair quem antes empenhou fidelidade. Cada lado, porém, teceria as suas próprias razões para julgar assim ou assado. Nunca foi diferente e talvez não o será jamais. O consenso absoluto é uma miragem traiçoeira e perigosa.
Agora, já não adiantava que os amotinados ficassem a se enganar. Era morrer ou regressar ao eito sob o calor fervente que escalda as plantações, às senzalas catinguentas em que se vive e morre que nem bicho, às correntes, às cangas, ao tronco, às chibatadas, aos ferros em brasa, às mulheres ultrajadas pelos estupros, à humilhação de ser coisa apesar de ser gente. Enfim, a não ser nada do que por aí vive e respira, pensa e decide, chora e sorri, ama e desama.
Foi no que deu. Pelo menos em parte. Dos vinte ou vinte e poucos guerreiros que lá estavam e eram sobreviventes da carnificina dos Palmares, só um deles, pelo que consta das memórias que restam em algum guardado, terminou por se entregar vivo. Ele e o bravo Zumbi, que lutou como se fosse uma jaguatirica parida. Ainda assim, depois de dar fim, somente ele, a um sem conta de inimigos, muitos por ele esganados com as próprias mãos. Foi só quando se viu cercado por duas dezenas de combatentes do Capitão Furtado de Mendonça. Não podia fazer mais nada. Afinal apresado, lá estava ele amarrado em um tronco qualquer, o corpo empapado de sangue vivo, feridas abertas que competiam com as cicatrizes que já lhe desenhavam o corpo de pele impregnada de um preto retinto.

DIGAM O QUE QUEIRAM DIZER E ATÉ QUE MINTAM, se for o caso. Podem falar tudo o que tenham vontade de falar, seja de bem ou de mal. Só Zumbi, mesmo, caso lhe fosse dado responder desde os socavões em chamas do inferno ou dos jardins floridos e arejados do paraíso, poderia dizer o que na verdade se passou naqueles seus quarenta anos de vivência atormentada.
Só ele poderia falar, espetado por um tridente em brasa
ou montado em alguma nuvem, sobre um monte de rumores
que ainda hoje andam plantando por aí afora: de que nasceu
livre; de que ainda miúdo teria sido recolhido por um tonsurado
e ido viver com ele em Porto Calvo; de que foi batizado com
o nome de Francisco; de que lá aprendeu a ler e a escrever; de
que até passou uns tempos em Portugal, onde chegou a estudar teologia; que não só acompanhou o padre como seu protegido
e coroinha nas trezenas, novenas e missas dominicais, como
com ele compartilhou a fogueira dos seus ardores carnais.
Ninguém é obrigado a acreditar nisso tudo, em apenas uma parte, em quase nada ou em nada mesmo. Os mitos não são construídos com pedra e cal; eles são mesmo erguidos por cima de retalhos de vidas e de fantasias que dizem do que queremos ou não queremos enxergar.
Só não se pode dizer é que não houve um negro orgulhoso e destemido que decidiu bater de frente com a tirania dos que coisificavam o seu povo. Se era chamado de Zumbi ou Francisco, ou seja lá como fosse, não é lá tão importante assim. O que interessa é que, tal e qual Espártaco, encabeçou uma guerra servil que lhe rendeu a morte e a lenda. E aí? A luta pela liberdade não carece de esmagar o inimigo para ser vitoriosa; ela já nasce triunfante pela só coragem de desafiar a opressão.

NAQUELA NOITE, FURTADO DE MENDONÇA deitou-se cedo. Por alguma razão sentia-se mais esgotado que de costume. Se bem que nem via razão para estar assim tão derrubado e cochilando pelos cantos. Tivera um dia como qualquer outro. Não havia feito mais, nem menos, do que fazia todos os dias.
Acontece que, mesmo assim, uma vez na cama não conseguia adormecer A noite foi escorrendo e ele bolando e bolando de um lado para o outro. Chegou a imaginar que o que o mantinha desperto era o ronco da mulher, ali escornada ao seu lado e inconscientemente disputando a coberta. Mas logo se convencia de que não era por causa daquele mugido que al- ternava com sopros distendidos, murmúrios numa língua que ele não decifrava e silêncios inquietantes de quem desistira de respirar de uma vez por todas. Nem pelo puxa daqui puxa dali da coberta, visto que o calor até aconselhava a livrar-se dela. Já estava mais do que acostumado com tudo isso.
Madrugada alta, nem se deu conta de quando adormeceu. E não demorou tanto assim para que um sonho inédito como se o remetesse a um tempo que ainda aguardaria muito tempo para chegar. Um tempo em que não restará nem mesmo sinal da roupa com que terá sido enterrado.
Nele não estava o negro degolado, a cabeça salgada, vazia de sangue e enfiada na ponta de uma vara mandada plantar no Pátio do Carmo. Estava Furtado de Mendonça era estacionado em frente a uma estátua que ocupava o centro de uma praça acanhada. E, como que petrificado, contemplava um Zumbi esculpido em bronze, cabeça no lugar, altivamente erguida e envolta por um como que turbante colorido, os olhos esticados para algum lugar impreciso. Uma das mãos abraçava o cano de um mosquete, cuja coronha descansava no chão, a extremidade acomodada rente ao pé esquerdo.
Leu, na placa que estava cimentada no pedestal, tratar- -se de Zumbi, o Guerreiro do Mato, o Rei da República dos Palmares. Celebrava-se a sua luta e rememorava-se o seu martírio pela causa da liberdade. A liberdade dos negros vilmente escravizados e trazidos da Mãe África, metidos, como merca- dorias, nos porões abafados, imundos e fétidos de balouçantes caravelas. Olhou a data que estava gravada no rodapé e tremeu na base: 20 de novembro de 2010. Contou nos dedos a quantos séculos mais tarde estava remetido.
Leu novamente e ainda mais uma vez e nada viu sobre Furtado de Mendonça, Melo e Castro e Dom Pedro II, de Portugal e Algarves. Teriam sido simplesmente esquecidos? Se nem o nome do rei constava, quando mais o dele? De que serviram a sua lealdade à Coroa e a sua fidelidade aos seus deveres como soldado? De que serviram as suas angústias e seu sangue derramado nos campos de batalha, lutando sob as cores lusitanas? De que serviram os padecimentos das suas tormentosas jornadas pelas matas fechadas, embrenhando-se nas grotas, escalando e a descender encostas, na perseguição dos guerreiros que escaparam das matanças nos quilombos?
Pelo visto, de nada. Vá ver que a história o havia sacudido no esquecimento ou o havia atirado no charco que ela reserva aos vilões escolhidos segundo a moda e o momento. Ficara como proscrito, a memória infamada como assassino e carrasco desprezível de um pelejador indomável que virara um mito. Teria sido o preço que pagara por ter sido mais real do que o rei.
Dá para entender que se diga que a história é escrita pelos vencedores. Mas quem disse que é sempre vencedor aquele que esmaga os inimigos?
Não há notícia de que Furtado de Mendonça tenha acordado na manhã seguinte. E se acordou, não se sabe o que foi feito dele dali para a frente.
Ponta Verde, em Maceió, outubro de 2020

* (Carlos MÉRO. Contos Covidianos: Scortecci Editora. São Paulo. 2021 – E-Book: Kindle – Amazon)

About Carlos Mero

CARLOS MÉRO nasceu em Penedo (1949). Membro da Academia Alagoana de Letras, do IHGAL e da Confraria Queirosiana (PORT.). Já integrou o Comité Scientifique da Revue REFLEXOS - Université Toulouse Jean Jaurès – FR.). Principais publicações: O Beco das Sete Facadas e outras estórias alucinadas (Contos). São Paulo: Marco Zero. 2005 - A lua de fel do casal Valhamor (Conto). Revue L’Ordinaire Latino-Americain, nº 212/2010, Université de Toulouse II – Le Mirail. - O amargo regresso da desesperança. Revue Caravelle nº 96/2011 - Université de Toulouse II – Le Mirail - Travessias (Contos - coautora: Cristina Duarte-Simões). Maceió: Viva. 2013 - Graciliano Ramos: Um monde de peines. (Depoimento). Lille (Fr): The BookEdition. 2015 - A deserção de Maíra (Novela), in Inventando Maíra S. Paulo: Scortecci. 2016 - O chocalho da cascavel (Contos). S. Paulo: Scortecci. 2016 - Um gosto de mulher (Poesia). S. Paulo: Scortecci. 2018 (2ª edição) - Dias assombrados em Roma (Memórias). S. Paulo: Scortecci. 2ª ed. 2020 - Contos covidianos. S. Paulo: Scortecci. 1ª e 2ª eds. 2021); Os dois melros (Conto). Rev. de Portugal nº 18/2021; Eça de Queirós e Graciliano Ramos: Diálogo criativo (Palestra: Vila Nova de Gaia - 15.03.2022). Rev. de Portugal nº 19/2022.

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