Será?
   11 de agosto de 2023   │     12:19  │  1

Vivemos a era da comunicação. Pelo menos é isso que dizem os estudiosos do assunto. E a tecnologia é a grande facilitadora para que isso aconteça. Verdade incontestável! Será?
Já há algum tempo, algumas discussões se fazem sobre essa comunicação. Estamos realmente facilitando a convivência social nesses tempos regidos pela tecnologia? Tenho pensado com certa frequência sobre isso.
Absolutamente não sou contra a internet e a facilidade que ela nos proporciona em termos de comunicação. Whatsapp, Facebook, Instragram… tudo resolvemos com esses três prestativos e eficientes auxiliares. Porém, mais uma vez pergunto: será?
Não há como fugir da verdade que é o poder da comunicação via internet. Inicialmente feita pelo computador, hoje, para se falar com o mundo a qualquer hora, basta um aparelhinho que cabe nas mãos. Maravilha! Não há como não reconhecer a grande ajuda que o celular nos proporciona, além da sua função primordial de nos falarmos para a simples comunicação: recados, marcar e desmarcar encontros e tantas outras coisas mais simples. Mas então, gradativamente, evoluímos para compras online, fotos de viagem sem precisar esperar dias para serem reveladas (Como sou antiga! os mais jovens não saberiam nem do que estou falando!), assinatura digital, pagamentos on-line – e o pix reinando soberano… Nem para marcar consultas precisamos mais falar com alguém: isso se faz pelo whatsapp. Sem falar no contexto dos negócios, cada dia mais simplificados, menos dispendiosos com as reuniões on-line, talvez a maior contribuição da internet na atualidade. Como esquecer a ajuda imensa proporcionada pela internet na pandemia, quando só ela nos permitia qualquer comunicação? Enfim, a lista é imensa e desnecessária, pois todos sabemos dessa e outras vantagens.

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Que não se pense que sou contra a tecnologia! Impossível! Apenas tenho refletido sobre alguns aspectos da relação entre tecnologia, internet e comunicação, no seu sentido mais amplo. Sintetizando imensamente a questão – que poderia resvalar para discussões sociológicas, antropológicas, linguísticas e tantas outras fora da minha esfera de conhecimento –: será que podemos dizer que a tecnologia aumentou nossa capacidade de interação em todos os aspectos? Embora certamente correndo o risco de parecer um ser em extinção, por só usar o whatsapp e dispensar Facebook e Instagram, para falar apenas das redes sociais mais conhecidas, as dúvidas me chegam com frequência.
Um exemplo. Sempre me incomoda chegar a um restaurante e ver três ou quatro pessoas – e até apenas duas – cada qual com um celular à sua frente, e assim deixando de ver o rosto de quem compartilha sua mesa. A pergunta é: qual a finalidade de se ir a um restaurante com familiares ou amigos se não for para conversar, trocar ideias, relaxar, além, obviamente, para comer? E o que faz o celular nessa ocasião? Atender uma chamada, até pode se entender, desde que depois se voltasse aos companheiros de mesa. E o pior: muitas vezes a troca de mensagens é com quem está na própria mesa!!!? Será que está havendo comunicação? Está havendo a interação?
Outro exemplo. Não sei se é mais incompreensível ou mais preocupante ver cena semelhante em casa. Dois ou três familiares dividindo o mesmo sofá, cada qual com o celular na mão, enquanto outro está no quarto, nem sempre conversando com alguém, às vezes simplesmente vendo fofocas no Instragram… E não culpemos apenas o celular, ele ou ela pode estar sozinho se divertindo com um jogo no computador. Tudo bem, sempre temos necessidade de ficar sozinhos algum tempo, mas nesse caso, a companhia do celular não seria dispensável? Será que está havendo comunicação? Está havendo a interação?
Ainda no restaurante, a mais recente novidade tecnológica (não tão recente assim, é verdade) é o uso do QRcode, que divide atualmente com o pix o
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reinado da praticidade e da pressa. Estive para sair de um restaurante porque, ao solicitar o cardápio, me disseram que teria que ser através do QRcode. Após algumas reclamações de minha parte, me trouxeram um cardápio com péssima aparência, de coisa guardada, sem uso. Para mim, a troca de ideias num restaurante sobre o que vamos pedir é uma forma muito interessante de contato. Às vezes até saem risos nas divergências e comentários sobre os nomes dos pratos, os ingredientes, etc. Enfim, escolher a comida também pode ser um momento de interação. Será que o QRcode, cada qual individualmente fazendo sua escolha, proporciona tais momentos?
Mas há um outro ângulo desta reflexão que me incomoda mais ainda. Por mais inevitável que seja o convívio com a tecnologia, por mais que ela nos facilite a vida e nos inclua entre os seres atualizados, nada nem nenhuma lei nos obriga a participar de todas as redes sociais, tampouco a fazer uso de modernidades como o QRcode. Assim sendo, achar que todos os clientes sabem ou devem ou querem fazer uso deste meio de comunicação ou mesmo do Istagram no lugar do cardápio tradicional (ou antiquado, diriam alguns, ou a maioria) me soa como uma visível forma de exclusão. Numa época em que os termos inclusão e exclusão social são tão explorados e figuram como o mote para inúmeras discussões na mídia, em que inúmeros conceitos são agregados a eles, mais uma dúvida me surge. Não estariam praticando uma clara forma de exclusão aqueles restaurantes que privam seus clientes não-tecnologizados do acesso ao cardápio impresso, ou seja, aqueles qulllle optam por usar apenas alguns dos meios de comunicação que nos são possibilitados pela tecnologia? Não deveriam dar-lhes escolhas? Que nome poderíamos dar a esse tipo de preconceito?
E volto à questão da comunicação. Quantas vezes nossas dúvidas sobre nossa escolha em um restaurante são divididas com um garçom que nos orienta, nos sugere, explica sobre ingredientes e forma de preparo de algum prato? Não seria isso uma forma de comunicação? Certamente o uso do QRcode simplifica o processo, não exige tanto do garçom. Porém, alguém
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já perguntou a eles se aquele papo dos clientes os incomodava, ou se eles de certa forma conviviam bem com aquela momentânea convivência?
Muitas outras formas de “descomunicação” estão se tornando corriqueiras na nossa vida. Será que vale a pena pensar sobre isso? A essa altura, devo estar sendo vista como um habitante das cavernas. Não o sou. Apenas prezo muito o contato com pessoas, e não me sinto obrigada a aceitar tudo que me é impingido pela tecnologia. Talvez eu seja realmente antiquada ou saudosista. Será?

 

Maria Heloisa Melo de Moraes
Julho/2023.

 

 

About Maria Heloisa Melo de Morais

Nascida em Palmeira dos Índios (AL), morou ainda em Santana do Ipanema e no Rio de Janeiro antes de residir definitivamente em Maceió, onde fez seus estudos até chegar à UFAL, fazendo então o curso de Letras. Foi professora estadual até 1991, quando ingressa, por concurso, no quadro de docentes da Universidade Federal de Alagoas. Após a aposentadoria, lecionou ainda em faculdades particulares e em cursos de pós-graduação. Cursou Mestrado e Doutorado em Letras na UFAL. No Mestrado, com a dissertação “As formas do humor em Sylvia Orthof”, o foco foram os estudos de Literatura Infanto-juvenil. E no Doutorado a opção foi pelos estudos do texto poético, com a tese: “Cor, som e sentido: a metáfora na poesia de Djavan”, esta publicada pela Editora HD Livros, em 2001. Publicou ainda as obras: Poesia Alagoana hoje: ensaios (org.), 2007; Encontros com a poesia de Osvaldo Chaves (org. com a Profa. Dra. Jerzuí Tomaz), 2010; Itinerário geográfico-poético de Mendonça Jr., 2010, vencedor do Prêmio Nacional da Academia Alagoana de Letras – Mendonça Júnior: o poeta do Vale do Camaragibe, em 2008; Modos de dizer: textos e canções, 2011; Memória e ficção: a narrativa de Aloisio Costa Melo (org.), 2014; Obras completas de Aloisio Costa Melo (2 vol.) (org. com Cintia Ribeiro), 2019; Historias do ontem (crônicas autobiográficas), 2022. Tem ainda artigos publicados em diversos periódicos e livros de crítica literária. Suas principais áreas de pesquisa são a literatura infanto-juvenil brasileira e o texto poético, com prioridade para os estudos sobre a poesia alagoana.

COMENTÁRIOS
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  1. marcos davi melo

    Acadêmica Heloísa Moraes é uma das maiores expressões da literatura e do pensamento em nossa terra. , é uma honra compartilhar o mesmo espaço com ejá na Academia Alsgoana de Letras. Que continue nos brindando com suas inestimáveis reflexões.

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