OS NATAIS DA MINHA INFÂNCIA
   25 de dezembro de 2023   │     7:29  │  0

Quando recordo os natais da minha infância, a primeira coisa a emergir do passado é a lembrança olfativa da autêntica árvore de Natal, erguida no salão da nossa residência. Esparramando sua inconfundível fragrância pelos quatro cantos da casa, o tradicional abeto anunciava que Papai Noel estava por vir.


A partir de meados de dezembro, o comerciante que nos fornecia a planta aparecia todos os anos no mesmo lugar, ou seja, na calçada frente à estação de trem, pois muitos viajantes, de volta do trabalho, aproveitavam para adquirir um exemplar logo após descer do trem. Depois do Natal, o homem sumia e ninguém sabia qual era sua ocupação durante o restante do ano. Talvez estivesse cultivando as coníferas… que seriam vendidas no ano seguinte…
No primeiro fim de semana logo após sua aquisição, era com grande alegria que a decorávamos em família. Primeiro, dispúnhamos festões dourados e as luzinhas do pisca-pisca. A seguir, pendurávamos alguns anjos tocando corneta e as bolas de vidro soprado, tão frágeis quanto casca de ovo, nos galhos revestidos por agulhinhas verdejantes. Espalhávamos também bastantes chumaços de algodão hidrófilo para criar um efeito “flocos de neve”. Por fim, nosso pai prendia uma estrela cadente no topo do conjunto.
Além dessa tarefa, ele tinha a incumbência de fabricar uma guirlanda entrelaçando ramos frescos de azevinho, com suas frutinhas vermelhas a contrastar com o verde-escuro da folhagem. Depois de pronta, a coroa era fixada na porta da entrada, dando as boas-vindas às pessoas que chegavam ao nosso lar.
Usando um papel específico, com motivo rochoso, minha mãe era responsável pela fabricação da gruta que aninharia o pequeno presépio. Facilmente maneável, o material conservava o formato que lhe era dado. Depois de confeccionar a pequena caverna, chegava a hora de distribuir as personagens dentro da lapinha.
Após desembrulhar, com precaução, as figurinhas de gesso pintadas à mão, mamãe deitava o pequeno Jesus na sua manjedoura, forrada com palha de verdade. Colocado no centro do aconchegante refúgio, o bochechudo neném erguia dois braços gorduchinhos. Ao seu lado, Maria e José, ajoelhados, veneravam-lhe a divina presença. Além deles, havia o jumento e a vaca aquecendo o menino e um pastor, carregando uma ovelha nos ombros. Um pouco afastada, a silhueta perfilada dos reis magos coroados, sentados no lombo de três dromedários amarelados.
Em tempos natalinos, além do odor característico da resina do pinheiro, outra essência costumava acariciar nossas narinas. Era o cheiro das tangerinas, importadas dos países ensolarados. Após riscar um corte ao redor da fruta, era com o maior cuidado que minha mãe descolava e retirava a casca inteira, dividida em duas partes. Depois disso, ela transformava essa mesma casca em vela aromática, pingando algumas gotas de azeite sobre o fiapo vegetal do eixo central, formando um tipo de mecha que pegava fogo em contato com a ponta de um fósforo aceso.
Terminadas as refeições noturnas, mamãe acendia uma dúzia dessas pequenas lamparinas, postas no centro da mesa de jantar. Logo a seguir, as luzes da sala eram apagadas. Fascinados, observávamos as bolinhas laranja a brilhar na escuridão da noite gélida. Graças ao calor das chamas vacilantes, um perfume cítrico se propagava pelo cômodo inteiro.
Na intenção de aumentar a magia do momento, papai botava um disco de vinil para tocar na antiga vitrola, com vários cantos folclóricos germânicos, em versão francesa, muito apropriados para os festejos da chegada do Messias. Em coro, entoávamos, entre outros, o tradicional “Meu Belo Abeto” ou o suave “Doce Noite, Santa Noite”.
Outro ritual tradicional, proporcionado dessa vez pela minha avó-materna, era a viagem anual até Paris. Lembro que a primeira dessas excursões ocorreu num trem puxado por uma locomotiva a vapor. Eu devia ter em torno de cinco anos.
Revejo a cena, digna de um antigo filme em preto e branco: subindo no vagão da primeira classe, Louise usa um chapéu emplumado e um par de luvas de renda clara. Sobre os ombros, por cima do casaco de astracã, uma ruiva estola de pele, com o focinho mumificado de uma raposa pendurado numa das extremidades. Eu visto minhas roupas domingueiras e um par de sapatos de verniz.
O percurso até a capital não durava mais do que quinze minutos. Saindo da estação Saint-Lazare, íamos primeiro até um reputado salão de chá, situado ao lado da Ópera Garnier. Entre as guloseimas, oferecia-se um docinho em forma de camundongo roendo um pedaço de queijo furadinho. Obviamente, uma referência às pequenas alunas de balé do tradicional teatro vizinho, comumente apelidadas de ratinhos (petits rats).
Depois do lanche, caminhávamos até o bulevar Haussmann, para admirar as vitrinas das lojas de departamentos. Exibiam centenas de brinquedos, espalhados em apoteóticos cenários de contos de fadas. Todavia, Louise nunca entrava nos comércios para me brindar com um mimo palpável. Afinal, aquilo era tarefa do Papai Noel! O papel de minha avó se limitava tão somente a me apresentar esse onírico espetáculo, cujo feitiço havia de ficar gravado nas retinas para o resto dos meus dias.
E por falar em Papai Noel, certa vez deparei com um sujeito tentando fazer-se passar por ele! Trajando roupas e gorro vermelhos, estava de visita à nossa escola. Rememoro o fato de que fizemos fila para beijar-lhe a bochecha estranhamente juvenil. Aquele tipo não me enganava, já que eu havia reparado o elástico segurando-lhe a barba artificial! Mais ainda: após apalpar, disfarçadamente, a pança volumosa, notei-lhe a consistência de um travesseiro recheado com plumas de ganso! Para piorar as coisas, o falso idoso nos brindou com bugigangas baratas, tiradas de uma sacola repleta de quinquilharias…
Confesso que acreditei no “autêntico” Papai Noel até tarde. Em meados de dezembro, mamãe me ajudava na redação de uma singela missiva contendo meu modesto pedido. Seguindo seus conselhos, eu deixava a carta no sofá da sala de estar. Ao lado do bilhete dobrado, era preciso depositar umas duas ou três cenouras, como contribuição para alimentar as renas, famintas e cansadas pela longa viagem. Após me ausentar durante alguns minutos, eu reencontrava o sofá vazio, pois não havia sinal nem da folha de papel nem das raízes tuberosas! Percebendo a janela entreaberta, eu entendia que era por ali que o velho barbado havia entrado e saído da nossa casa…
Mergulhados nos preparativos das celebrações do fim de ano, era com grande alegria que recebíamos o tão aguardado pacote, enviado todos os anos pela nossa tia Anne-Marie, contendo vistosos agasalhos tricotados pelas suas mãos habilidosas. Havia sempre um exemplar para mim e outro para meu irmão. Geralmente eram enfeitados com motivos adequados para a época do ano, como, por exemplo, geométricos cristais de neve.
Certa vez, Anne-Marie inventou de copiar, a partir de uma foto, um pulôver usado por um célebre esquiador, três vezes campeão mundial e olímpico. O modelo era azul-marinho, com duas listras vermelhas e horizontais na altura do peito. Aproveitando a ocasião, no lugar dos esquis, nosso pai nos brindou com um trenó de madeira fabricado por ele, às escondidas, na garagem. Depois disso, ficamos aguardando ansiosamente a neve chegar para testar a eficácia do novo brinquedo.
Ao despertar de manhã cedo, eu já sabia se tinha nevado durante a noite, já que a luminosidade, entrando pelas frestas das venezianas, era absolutamente sobrenatural. Pulando da cama, eu me precipitava para anunciar o milagroso fenômeno ao meu irmão. Após vestir um casaco, corríamos para fora, sem ter tomado café. Não havia nada mais feérico do que observar a cidade coberta por uma manta de chantilly. Os flocos de neve continuavam a descer suavemente do céu, como em câmera lenta. Embasbacados, admirávamos a rua antes que os pneus dos primeiros carros a trafegar maculassem a virginal alvura cobrindo o asfalto.
Trago na recordação o dia em que uma pesada nevasca fez a escola fechar as portas durante um dia. Vestidos como esquimós, tínhamos a permissão de brincar no meio da avenida, pois nenhum veículo ousava aventurar-se sobre a pista congelada. Era frequente observar alguns transeuntes levarem quedas feias. Mamãe ordenava não rir da situação, mas era difícil contermo-nos, principalmente quando os coitados patinavam e giravam os braços, na vã tentativa de se manter em pé antes do grotesco tombo final.
Quando juntava a meninada da vizinhança, travávamos as obrigatórias batalhas de bolas de neve. Lembro que, além disso, brincávamos de fumar de mentirinha: colocando o dedo indicador e o maior sobre a boca, como quem leva um cigarro aos lábios, soprávamos o vapor enfumaçado das nossas respirações.
Outra lembrança desses tempos remotos é a chegada dos cartões postais enviados por parentes distantes. Vinham sempre com recados padronizados, do tipo: “Que a felicidade esteja com vocês durante o Natal e para sempre”. Os meus preferidos eram aqueles que recebiam um realce de glitter prateado. Costumavam representar idílicas paisagens invernais, chalés perdidos na montanha ou engolidos pela neve.
Mais outro precioso momento era quando papai acendia a lareira. Enroupados com espessos cobertores, admirávamos as chamas a saltitar sobre a madeira crepitante. Enquanto isso, nossos pais nos contavam os Natais das suas infâncias e os dos seus próprios pais. Todos os anos, repetiam as mesmas histórias, mesmo assim, era com imenso prazer que ouvíamos, novamente, os deliciosos relatos. Às vezes, quando as chamas davam lugar a uma brasa incandescente, papai assava batata-doce, como fazia outrora nos acampamentos da sua juventude, nas areias do norte da África…
Ao recordar esses episódios idílicos, me dou conta de que as festividades de fim de ano transformavam milagrosamente meu pai que, de costume, incorporava um espírito bastante execrável. Era espantoso notar o quanto os rituais natalinos abrandavam seu jeito colérico de se dirigir a nós. Pena que os festejos durassem não mais que doze dias, entre Natal e o dia dos Reis. Logo após desmontar o abeto, no dia 7 de janeiro, papai retomava seus modos autoritários e intransigentes.
Por ser oriunda do Leste da França, uma região que já estivera sob domínio alemão, minha mãe nunca esperou algo do Papai Noel. No lugar do bom velho, era o barbudo São Nicolau, o santo padroeiro das crianças, que trazia guloseimas para a meninada comportada da Alsácia-Lorena.
Em contrapartida, a garotada endiabrada recebia uma grave ameaça: caso não mostrasse um comportamento mais adequado ao longo do mês de dezembro, arriscava receber a visita do “Père Fouettard”, que eu traduzo como o Velho Chicoteador. Tal qual seu nome indica, o feioso vilão era bem capaz de comparecer para aplicar um castigo nas nádegas da garotada desobediente. Felizmente, em vez da punição física, ele se contentava em deixar alguns presentes pouco atrativos, como um pote de mostarda, algumas bolas de carvão vegetal, meio quilo de batatas inglesas ou uma dúzia de cebolas!
Por sua vez, minha avó-materna, que veio à luz no final do século XIX, recebia como único presente… uma prosaica laranja, embrulhada em papel de seda! Fruta rara e caríssima na época, era vendida por unidade pelos mercadores espanhóis, vindos da longínqua Andaluzia.
Durante as três últimas noites antes da Natividade, minha mãe se oferecia para assessorar uma amiga madrilena, dona de uma luxuosa perfumaria. Devido ao grande fluxo da clientela, a proprietária precisava de mais alguém para ajudá-la nos negócios.
Antes de auxiliar a senhora Torres, mamãe passava primeiro no salão de beleza, onde seu loiro penteado era ajeitado com capricho, antes de receber uma camada de laquê com purpurina. Além do cabelo cintilante, ela costumava usar um agasalho com fios prateados entrelaçados à lã tingida de verde. Aprumada desse jeito, dona Simone só faltava voar, pois ficava igualzinha à travessa fada Sininho!
No decorrer do dia 24 de dezembro, mamãe se ativava na preparação do banquete que seria oferecido após a missa da meia-noite. No lugar do peru, ela preferia assar uma galinha de angola, cujas viandas eram mais macias. A ave vinha recheada com castanhas portuguesas e carne de porco moída e temperada.
Durante minha infância, o clima invernal era mais acentuado do que hoje. Se houvesse nevado o bastante, eu descia, junto com meu irmão, para fabricar um boneco de neve. De volta para casa, eu ajudava minha mãe na arrumação da mesa onde seria servida a ceia. Desde muito cedo, eu fora treinada para dobrar os guardanapos em forma de leque e dispor copos e talheres na ordem requerida pela etiqueta.
No final da tarde, assistíamos ao incontornável Conto de Natal, de Charles Dickens, anualmente reprisado na TV. À noite, por volta das 23h30min, esperávamos os sinos dobrarem, chamando-nos para a Missa do Galo. Sempre nos dirigíamos a pé até a igreja, assim como faziam nossos ancestrais. Sendo um costume de épocas antigas, éramos obrigados a deixar o moderno automóvel dormindo na garagem.
Desse modo, com um boné enfiado por cima das orelhas, eu caminhava atrás da minha mãe, bem juntinho dela, para me proteger do vento cortante. Enquanto isso, meu irmão andava colado ao meu pai. O som dos nossos passos era abafado pela grossa camada de neve. Eu amava pisar nas pegadas deixadas por mamãe. Às vezes, eu interrompia a andada e, levantando o rosto, escrutava o céu, na tentativa de avistar a Estrela de Belém, apontando-nos o destino final.
Já dentro do local do culto, entoávamos “Nasceu a Divina Criança” e outros cantos celebrando a chegada do Cristo. À direita da nave, havia um presépio com personagens medindo quase um metro e meio. Vestiam roupas leves, apropriadas para o clima suave da Galileia, contrastando com as pesadas vestimentas de toda a assembleia. Observando a quase nudez do pequeno Jesus, eu tremia de frio, pois a igreja me parecia, de súbito, muito mais glacial.
De volta da missa, sentávamo-nos à mesa na companhia da minha avó e do seu irmão, nosso querido tio-avô Emile. Mamãe e eu costumávamos trajar vestidos de veludo, pois a escolha do nobre tecido era de acordo com a solenidade da noite sagrada.
Antes de nos servir, mamãe acendia quatro velas torcidas, fixadas em castiçais de cristal. Enquanto isso, papai descia até o porão para pegar algumas garrafas de vinho branco e de champagne. Sobre a mesa, forrada com uma toalha bordada, eram depositadas as iguarias típicas da ceia natalina. Além da galinha de angola, como prato principal, havia diversas charcutarias finas, as ostras, o embutido de carne branca com miolo de pão molhado no leite, sem esquecer o tradicional bolo natalino, em forma de tora de madeira coberta por anõezinhos de plástico e cogumelos de marzipã.
Nascida no pós-guerra, sou filha e neta de pessoas que sobreviveram a um ou dois conflitos mundiais. Abalada pelas perdas, minha família gastava com prudência. Naquela época, não existia o consumismo imoderado de hoje. O país estava se reerguendo, e a regra geral era poupar. Economizar era de bom-tom, até para as famílias mais endinheiradas.
Os brinquedos entravam na lista dos produtos supérfluos, que só podiam ser oferecidos em duas únicas ocasiões, no aniversário e no Natal, e com o requisito de mostrarem-se bons resultados na escola. A escassez daqueles tempos fazia qualquer mimo ganho revestir-se de um valor considerável. Os presentes sonhados, mas não adquiridos, possuíam também uma grande importância, principalmente no desenvolvimento da nossa capacidade imaginativa.
A antiga casa da minha avó dava para uma praça larga, na qual, uma vez por semana, uma feira livre se instalava. Acompanhando Louise nas compras, eu havia reparado em um dos mercadores vendendo produtos de uso doméstico, como baldes, bacias e vassouras. No meio dos artigos utilitários, havia um pequeno sofá, em plástico verde, acompanhado de duas poltronas.
Assim que avistei os móveis de boneca, fiquei imediatamente fisgada. Acontece que, apesar de desejar imensamente aquele conjunto, nunca me passara pela cabeça pedir qualquer coisa à Louise, pois não havia Natal nem aniversário se aproximando.
Diante da impossibilidade de ganhar o brinquedo, uma ideia estapafúrdia me veio, de súbito, à mente: eu tinha certeza que um dia, ao desmontar sua barraca, o vendedor acabaria esquecendo o minúsculo mobiliário na praça do mercado! A partir daquele instante, transformei meus sábados em dias de caça ao tesouro! Durante o momento entre a retirada dos comerciantes e a chegada dos garis, eu vasculhava os detritos com a ajuda de um graveto. Além de remexer as frutas podres e os legumes murchos, eu levantava as embalagens de papelão e revirava os caixotes de madeira.
Mesmo sem encontrar nada, eu não desanimava, pois tinha a absoluta certeza de que, numa outra ocasião, o vendedor deixaria o tão sonhado brinquedo abandonado no meio do lixo. No final do mercado seguinte, eu retomava minha fabulosa busca e, novamente, revolvia as imundices orgânicas. Sem encontrar o que eu procurava, eu já sonhava na feira da próxima semana. Sabem de uma coisa? Não havia brincadeira no mundo capaz de me deixar tão profundamente radiante!
Rememoro também de um mês de novembro, durante o qual alguém deixara um folheto de propaganda na nossa caixa de correios. Era um catálogo natalino oferecendo bichinhos de pelúcia, trens elétricos, soldadinhos de chumbo etc. Todas as noites, antes de dormir, eu folheava as páginas repletas de lindas bonecas com cabelos cacheados. Acredito que as crianças de hoje, entupidas de presentes, nunca experimentaram o entusiasmo que se apoderava de mim enquanto eu contemplava as imagens dos brinquedos cobiçados, mas nunca adquiridos.
Houve então o dia em que eu soube da inexistência do Papai Noel. Apesar do desapontamento inicial, a magia do Natal continuava a fazer efeito, já que surgira uma nova fase, tão encantadora quanto as outras: sabendo que os presentes eram comprados pelos meus pais, eu aproveitava-lhes as ausências para vasculhar cada recanto da nossa morada, na tentativa de achá-los.
No final do corredor, que levava até os quartos, encontrava-se um pequeno closet. No fundo do estreito espaço, havia oito prateleiras, onde eram guardadas as roupas, os sapatos, a caixa de costura e o ferro de passar. Em cima, à esquerda, existia uma larga tábua de madeira, quase tocando o teto, debaixo da qual uma barra de metal era fixada. Era nessa barra que eram enganchados os cabides, cobertos por casacos e capas de chuvas.
Escalando as prateleiras, eu havia finalmente descoberto o esconderijo onde mamãe guardava os presentes: encontravam-se espalhados por cima do pranchão. A princípio, havia um ou dois volumes, mas, à medida que o Natal se aproximava, outros pacotes iam surgindo. Alguns eram compridos e finos, pois deviam conter uma gravata ou uma caneta para meu pai. Outros, de formato cúbico ou arredondado, pareciam suspeitos, pois não imaginava o que podiam abrigar.
Eu sacudia alguns embrulhos, na tentativa de detectar qualquer barulho significativo, como um som seco, ou mecânico, acusando algum objeto destinado à minha avó Louise ou a outro parente. Repetindo frequentemente a acrobacia, eu ficava extasiada pela simples visão das embalagens escondidas, enfeitadas com fitas formando vários laços.
Chegando ao final da minha narrativa, irei agora revelar a mais bela reminiscência que guardo dos natais da minha infância. Naquele ano, além do mau comportamento em sala de aula, minhas notas haviam sido péssimas. Apesar de correr o risco de não ganhar um presente, eu almejava receber uma “boneca mole”, lançada recentemente no mercado. Possuía cabeça, braços e pernas em celuloide, enquanto o tronco, de tecido, era recheado com espuma.
Mesmo após ter subido, repetidas vezes, nas prateleiras do closet, eu nunca encontrava um embrulho com tamanho suficiente para nele caber a tal boneca. Embora fosse um péssimo sinal, eu ficava esperançosa, pois não acreditava que meus pais pudessem ser tão severos, a ponto de me deixar passar um Natal sem brinquedo.
Ao acordar, na manhã do 25 de dezembro, pulei da cama e corri para averiguar se o castigo havia sido aplicado. Chegando junto da árvore de Natal, logo avistei um presente que me era destinado, pois possuía um cartão com meu nome grafado. Estranhei a forma achatada do pacote…
Rasgando apressadamente o papel, descobri que eu fora contemplada com uma pavorosa pasta escolar, fabricada com couro sintético de cor amarelo-mostarda. Ao meu lado, meu irmão, totalmente maravilhado, admirava sua pista de autorama.
Assim que minha mãe entrou na sala, reparei-lhe o comportamento esfíngico. Parecia estar observando discretamente minha reação diante da dádiva envenenada. Quando quis saber se eu estava satisfeita, agradeci, fingindo contentamento. Apesar de que a punição fosse cruel, a soberba me impedia de expressar qualquer frustração.
Depois de um tempo, que me pareceu uma eternidade, mamãe aproximou-se novamente e, com um sorriso malicioso estampado na face, soltou a frase mágica:
— Chantal, acredito que tem algo te esperando sob minha cama!
Corri até o quarto dos meus pais e me deitei sobre a alcatifa para poder alcançar a surpresa que me aguardava debaixo do colchão. Lá estava a boneca, estranhamente largada fora da sua caixa!
A tremenda desilusão inicial, seguida pela inesperada descoberta, aguçara minhas percepções, dando lugar a uma exultante euforia. Esticando o braço, apanhei o pequeno corpo macio e o puxei para mim. Ao abraçar a neném abandonada, senti a ponta de um amor maternal brotar no meu peito de criança…

About Chantal Jeanne Lafaye Frazão

Nossa autora, Chantal Jeanne Lafaye Frazão, nasceu nos arredores de Paris, em pleno baby-boom do pós-guerra. Foi viver na capital quando tinha apenas 21 anos. Pouco depois de se mudar, a jovem cruzou o caminho de um brasileiro chamado Antônio. Assim que colocou os olhos nele, ela soube que o destino havia enfim chegado à sua porta! Em pouco tempo se apaixonaram, casaram-se e foram viver em Maceió, no ano de 1979. Chantal virou rapidamente uma alagoana, aprendeu a preparar uns quitutes nordestinos como carne de sol, feijão tropeiro ou cozido com pirão. Lançou o livro Memórias de Uma Franco-Alagoana em 2019 — obra que, nesse mesmo ano, recebeu o Prêmio Notáveis da Cultura Alagoana, na sua 16ª edição. Mais recentemente, no dia 27 de abril de 2023, Chantal entrou na ilustre Academia Alagoana de Letras, ocupando agora a cadeira 33, anteriormente ocupada pela escritora e poetisa Lyzette Lyra. Acompanhando o esposo alagoano nas suas viagens de negócios, Chantal aproveitou a vida e aprontou em NYC, Londres e outros lugares onde sua curiosidade a fez vivenciar inúmeras aventuras, que soube transfigurar em histórias, através das quais o narrador pega o leitor pela mão e o leva para passear em variegas perambulações pelo mundo afora...

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