O GRAPIÚNA E O CAIPORA
   2 de janeiro de 2024   │     3:41  │  0

O menino Grapiúna tinha mania de se embrenhar no mato, passava o dia inteiro observando os pássaros, descobrindo novos ninhos, acompanhando a vida de cada pequenino morador daquele mundo que era só seu. Quando voltava a tardinha, trazia o bornal cheio de maçarandubas, cambuís e ingá. Desde que chegara à vila do Retiro nunca parou um instante para brincar na porta de casa. Todas as crianças de sua idade gostavam de jogar pião, chimbra, brincar de carrinho, mas o Grapiúna só queria saber mesmo era de explorar tudo o que era desconhecido.


Foi num desses passeios que o menino Grapiuna se perdeu na mata. Não conseguia voltar para casa e inteligente como era, logo percebeu que estava sempre voltando para o mesmo lugar. Estava perdido! Por mais que tentasse se encontrar estava perdido. No entanto, ao invés de ficar com medo resolveu sentar-se embaixo de uma árvore muito frondosa e começou a olhar minuciosamente, para o mato ao redor. Foi quando viu um vulto passar, rapidamente. Manteve o olhar fixo e atento a qualquer sinal de movimento. Quase parou a respiração de tanto olhar atento. Finalmente viu uma criatura sair de um lugar para outro.
– Eu estou lhe vendo… Quem é você? Mas ouviu apenas o silêncio. Continuou a vigília atenta ao menor ruído. E, novamente aconteceu, a figura passou rapidamente, e ele pode ver que parecia um menino todo peludo como se fosse um animal montado num porco ou Javali.
– Eu lhe vi novamente… Fale alguma coisa. Você sabe falar?
– Eu quero meu pedacinho de fumo que você não me deu. Respondeu a criatura.
– Eu não fumo, por isso não trouxe e também não sabia. Se você quiser eu trago amanhã. Meu avô fuma cachimbo então eu peço a ele um pedacinho e trago para você. A criatura nada respondeu. Continuou calada enquanto o menino tentava vê-lo com mais nitidez.
– Você promete que amanhã traz um pedacinho de fumo para o meu cachimbo?
– Prometo! Respondeu o Grapiúna e foi mais além. Amanhã eu venho a essa hora trazer o pedacinho de fumo.
– Então bote no buraco dessa árvore que você esta sentado na raiz.
-Não, eu quero entregar a você mesmo.
-Você não pode.
– Por quê? Nós vamos ser amigos…
-Você nunca vai ser amigo dum menino do mato.
– Por que não, eu também sou um menino do mato.
– Mas você não é como eu.
– E como você é?
– Não vou mostrar para você não ter medo.
-Eu não tenho medo.
-Tem sim!
– Não tenho!
E, numa rapidez tremenda o vulto fez um movimento e estava diante de Grapiúna. E era, realmente para ter medo, parecia muito com um macaco, porque era coberto de pelos, no entanto tinha os pés ao contrário e portava no lábio grosso um cachimbo que fumegava. Mas o menino Grapiúna aguentou firme e nem pestanejou. E, com a mesma firmeza voltou a afirmar:
– Amanhã eu estou aqui com o pedaço de fumo.
Na mesma hora pareceu abrir-se uma clareira e ele encontrou o caminho de volta, porém a criatura sumiu como se nem estivesse ali em sua frente.
Seria impossível naquela noite não contar ao avô o ocorrido. Mesmo assim, preferiu não detalhar nada e apenas tentar saber se o avô conhecia o menino do mato. É claro que o avô parecia versado em assuntos dessa natureza e imediatamente advertiu.
– É a caipora. Tenha cuidado que ela faz você se perder no mato. Você tem que andar com um pedacinho de fumo.
– Ah! Então o senhor já viu a caipora…
– Eu não! Desconversou o avô sem contar detalhes. – Eu já ouvi falar dessas coisas, o povo daqui sempre tem essas invenções.
No dia seguinte, logo que terminou de tomar o café da manhã foi direto pedir um pedaço de fumo ao avô.
– E esse menino agora vai fumar, é?
– Não, Otília é um assunto meu e dele.
– Já sei, é essa besteira de Caipora… Você está ficando velho Rafael, é o mesmo juízo de Jesiel.
– Grapiúna, vó! Grapiúna!
– Aonde já se viu isso. Agora quer ser tratado por apelido.
-Deixe o menino, Otília. Ele sabe que isso tudo é mentira, não existe nenhuma caipora.
– Mas, por uma garantia, tome um pedaço de fumo. E não diga a sua avó que eu lhe dei. E sai rindo.
O Grapiúna põe o pedaço de fumo no bolso e vai buscar o estilingue. Depois, sai sorrateiramente, antes que Dona Otília desse outro sermão. Quase apressadamente corre e entra no mato, procurando chegar ao lugar onde havia encontrado o Caipora. Sentou novamente na raiz alta da árvore frondosa e ficou olhando atentamente. Num instante viu passar um Javalí de um lado para outro e pulou num sobressalto. Mas logo, num instante, apareceu o Caipora montado no mesmo Javali de forma a assustá-lo. Era uma visão apavorante. Mas, o menino segurou o medo e sentou, novamente, na raiz da árvore para demonstrar segurança.
– Eu trouxe o fumo, olhe aqui.
– Não quero o pedaço todo, só uma pelezinha.
-Mas eu trouxe tudo isso pra você não precisar mais pedir a mais ninguém.
-Mas esse é o meu trabalho. Eu sempre vou pedir. Quem não traz eu faço se perder como fiz a você.
– Tudo bem! Então está aqui.
-Você não pode me entregar isso na mão. Tem que botar no buraco da árvore.
– Ah! Tá certo.
Fez isso e o Caipora desapareceu. – Nem sequer agradeceu. Pensou. Voltou pra casa desolado, nem sequer conversou. Só quis a pelinha de fumo, assim mesmo nem recebeu com a mão, teve que botar no buraco da árvore. Aquele menino do mato era muito mal-educado.
-Psiu!
Olhou para trás e não acreditou. Era o Caipora, novamente, montado naquele javali feio. Estava ali parado na sua frente querendo dizer alguma coisa.
– O que é?
-Desculpe!
– Por que?
– Você foi muito honesto, disse que traria o fumo e trouxe.
– Eu podia até… lhe dar o meu estilingue. Você quer?
– Não, eu não quero. Eu não tenho o que fazer com ele.
– Você… quer ser meu amigo?
– Eu já sou seu amigo. Quando vier no mato, nem precisa trazer fumo que eu não vou fazer você se perder.
– Ah! Obrigado.
– Mas tenha cuidado com o Caboclo de Casco. Ele costuma andar por essas bandas.
– Ele é perigoso?
– Não sei, eu nunca o vi.
– Ah! Tá bom. Obrigado.
– Agora eu vou embora. Disse o caipora.
– Adeus menino do mato.
A partir daquele momento, o menino Grapiúna saiu pulando, como os meninos gostam de correr aos pulos e mal chegou em casa, foi procurar o avô.
– Tome vô, o pedaço de fumo que o Senhor me deu.
– Não, Grapiúna, pode ficar. Toda vez que você for para o mato tem que levar.
-Não vô. E complementa bem no seu ouvido. – Ele só quis uma pelinha. E como eu fui honesto não preciso levar mais que ele não irá me deixar perdido. Ele agora é meu amigo. Mas, não conte nada a vovó.
-Não, eu não vou contar nada. É um segredo só nosso.

About Benedito Ramos Amorim

Pesquisador, Crítico de Arte e Coordenador de Ação Cultural e Social da Associação Comercial de Maceió, tem livros publicados a partir de 1974: Mona Lisa Um Autorretrato de Leonardo da Vinci - Pesquisa, em 1979 Lamento Derradeiro que recebeu o Prêmio Moinho Nordeste da Academia Alagoana de Letras – Contos, 2003 A Construção do Palácio do Comercio – Pesquisa, Edufal, 2005, Um Amor Além do Tempo – Romance, HD Livros, 2006, Doce de Mamão Macho – Novela, Editora Catavento. Articulista em diversos jornais da capital alagoana desde 1976, no extinto Jornal de Alagoas desde 1976, a partir de 2002 no O Jornal e Jornal Gazeta de Alagoas. Prêmio Graciliano Ramos da Academia Alagoana de Letras com o romance inédito Pensamentos Mágicos em 2006, ano em que assumiu a cadeira número 9 da Academia Alagoana de Letras. Editor por 5 anos do jornal O Palácio publicado pela Coordenadoria de Ação Cultural e Social da Associação Comercial de Maceió. 2019 Prêmio Editora Gracialiano Ramos com edição dos livros, Nadi e 2ª Edição do livro Doce de Mamão Macho.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *