A hora do pássaro
   9 de junho de 2023   │     3:07  │  2

Realmente, há tempo para tudo, principalmente para a eclosão das coisas do Eterno. Todos os anos, a primavera desperta as flores, promove a volta dos buquês em jarros, em altares, faz a alegria dos jardins, a festa do ambiente, fazendo aflorar a sensibilidade humana.
No transcurso da primavera observa-se também a hora das criaturas aladas, em especial do pássaro, que, com sua plumagem, e canto tão próprios revelam a sua natureza e ao assediar as flores, ao sugar-lhes o néctar que adoça e alimenta, também se permite banquetear-se da profusão de insetos que carregam pólen de uma flor para outra. Os pássaros compõem e complementam a beleza da estação floral.


No entanto, olhando o que me arrodeia vejo aquela árvore frondosa que exalta a natureza primaveril, prendendo a minha atenção pelo aconchego de sua copa, onde a vida se oferece em diversificadas formas, fazendo com que eu veja por entrea folhagem iluminada pela luz solar uma criatura com características de pássaro canoro a cantar alegremente, a saltitar, entre uma bicorada e outra. Mas, logo penso: que perigo! Ele não sabe que, ao fazer-se olhar pela beleza do canto, ele desperta em mim o desejo de tê-lo ao alcance da mão, engaiolado, em minha varanda, cantando somente para mim.
Mas, pensando bem, aquele pássaro preso em uma gaiola, não sei não, será que ele cantaria assim, tão bem? Talvez não cantasse, apenas emitiria uma mensagem em busca de alguma companheira, avisando que não estava muito feliz, que preferia estar livre junto a ela; o seu canto poderia ser um lamento: sonhei que era um pássaro e não sabia que sabia voar.
E, assim, preso, estaria sempre a repetir um canto triste e solitário, em busca de alguma resposta, isto é, ele perdendo a condição de pássaro, não saberia mais o que é ser um pássaro. Mas acho mesmo que ele agiria dessa forma, cantando a solidão, a dor irreparável por estar preso em uma gaiola, sem nenhuma liberdade, vivendo de alpiste e água, sem sentir o direcionamento do vento, a aragem dos aromas, o frescor das sombras, sem beber a água fria dos córregos, e sem se aquecer sob os raios do sol, sem poder conquistar o objeto dos seus desejos, a liberdade.
Mas, lembro bem que, após olhar novamente para aquela árvore, logo observei que o pássaro havia desaparecido, e depois o esperei por várias manhãs, e nunca mais ele voltou, e a angústia da espera foi, pouco a pouco, também me causando a sensação de que com ele havia-me desaparecido o desejo de tê-lo sob o meu jugo, ou ainda, de ter algum outro pássaro cantando em minha varanda, pois, ao esperá-lo, ele me fez aprender a repudiar aquela ideia de tê-lo preso em uma gaiola. Aquela espera me fez compreender a arbitrariedade do sentimento de posse frente ao sentimento maior da liberdade de viver de acordo com a própria natureza.
Certamente, aquele pássaro canoro, com sua plumagem de nuances de cor amarela faz-me pensar que continua feliz, junto aos demais de sua espécie; certamente continua livre, em revoadas de pássaros, marcando outros territórios com sua natureza indomável, emitindo o mesmo canto alegre que me cativou, a sonorizar a beleza das árvores em manhãs de primavera. Seria mesmo uma infelicidade tê-lo tão perto, em uma prisão arbitrária, perdendo o seu dialeto, ensaiando um canto triste.
A árvore continuará a sua sucessão sazonal, mesmo após a primavera, com sua hospedagem aos pássaros e às demais criaturas silvestres, oferecendo os seus serviços, os seus préstimos, porém, não consegue fazer-me esquecer aquele pássaro que por instantes fez com que eu tivesse a ideia inconsequente de sonhar que um dia, eu teria um pássaro cantando somente para mim, preso em uma linda gaiola a enfeitar o meu alpendre

About Petrúcia Camelo

Petrucia Camelo, poetisa e escritora. Formada em Serviço Social pela UFAL. Tem Pós-graduacão em Literatura Brasileira. Nasceu em Viçosa “Atenas de Alagoas”. Vive em Maceió-AL. Casada com o medico e escritor Antonio Arnaldo Camelo, Mãe de cinco filhos. Publicou 12 livros: memórias, poesias, Infanto Juvenil- dois livros premiados.

COMENTÁRIOS
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  1. Adelaide Maria de Oliveira Reys

    Que doce crônica, querida amiga poetisa, Petrúcia, que admiro muito e amei nossa convivência, anos atrás na SUCAM, quando juntas trocavámos palavras de estímulo à vida, ajudando uma à outra a entender os caminhos que trilhávamos…
    Bons e inesquecíveis momentos!
    Saudades, sim, de verdade!
    O tempo passa e hoje leio esse seu texto, doce e educativo sobre a maior de todas as condições de vida na Terra, a LIBERDADE.
    Abraço-a com muito carinho.
    Adelaide

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  2. Maria de Lourdes do Nascimento

    A poeta e o pássaro: um encontro revelador.Epifania total. O pássaro revela-se à poeta q por sua vez o revela na palavra. Só a alma sensível e criativa de um.artista é capaz de descrever com tanta poeticidade uma cena trivial aos olhos de outros , mas tão carregada de símbolos e de beleza quando as imagens, metamorfoseadas pela olhar da poeta, transformam-se em um primoroso texto literário .👍

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