Veneza, outubro 2011. Acabei de entrar no restaurante, Antônio ainda não chegou. A atendente me oferece uma mesa no terraço, debaixo de um caramanchão coberto de plantas trepadeiras.
Logo após me sentar, um garçom coloca o cardápio sobre a toalha de algodão com estampa quadriculada Vichy, vermelha e branca. Peço um copo d’água.
O tempo está radiante. Um adorável pardal, pousado na beira de um vaso com gerânios, gorjeia sons melodiosos e eufóricos. A vida é bela!
Nesse dia uso meu uniforme de viagem: calça e camisa pretas. O único toque feminino: um par de brincos de ouro com pingentes que comprei numa conceituada joalharia carioca. No pescoço, uma fina corrente com um crucifixo de brilhantes.
Percebo que na mesa ao lado está um casal de franceses, com sotaque tipicamente de “titi parisiense” – uma expressão coloquial francesa para designar um “filho de Paris”, um sujeito esperto e debochado. O homem é elegante, a mulher nem tanto. Seu cabelo precisa de um retoque de tinta, já que os dois centímetros de raiz negra lhe evidenciam o falso louro.
Sem ser notada, escuto o que eles dizem enquanto finjo olhar o cardápio. Em pouco tempo, me dou conta de que são um casal de amantes, ambos na casa dos cinquenta. Noto isso quando escuto a mulher a resmungar um monte de críticas para falar da sua rival, a esposa oficial do cavalheiro.
Rapidamente percebo o seguinte: a amasia tem resposta para qualquer argumento, é uma típica sabe-tudo. Diante dessa presença tão sabichona e pretensiosa, o homem não fala, apenas balança a cabeça para cima e para baixo para dizer “sim”; e direita-esquerda-direita para dizer “não”.
Discretamente, observo a citada francesa, que está sentada do lado oposto ao meu. Vejo que ela tem um olho completamente branco e esbugalhado, sem pupila! Ela é caolha! Parece um ovo de codorna, ou melhor, uma azeitona alabastrina da Calábria, daquelas chamadas de leucocarpa! É absolutamente repulsivo!
Não somente a amancebada é grosseira na sua linguagem, como é sobretudo mal-educada, já que come com a boca descabidamente aberta e muitas vezes enfia o dedo nesse obsceno orifício, para extirpar um pedaço de alimento preso entre dois dentes!
Antônio finalmente chega! Assim que ele se senta, aceno para ele com o olhar. Ele entendeu: tem franceses ao nosso lado, temos que falar português! Noto então o seguinte: depois de nos ouvir dialogando em outro idioma, a francesa interrompe sua fala e passa a prestar atenção à nossa conversa.
Ela nos escuta cautelosamente. De repente, ouço-a dialogar umas baboseiras absurdas com o amigado, o qual não diz nada; apenas sacode a cabeça. Aqui está o monólogo insano da loira caolha:
— Está vendo as pessoas da mesa ao lado? Pois bem, são sicilianos!
O homem nada diz.
— Sim! Estou dizendo a você! Eles são típicos sicilianos! Eu sei disso, porque já estive muitas vezes de férias na Sicília!
— E mais ainda, são até sicilianos do sul! Disso, tenho a absoluta certeza!
O homem? Calado.
— Sim, e esta: eles nem falam siciliano, eles se expressam em patoá! Num tipo de dialeto do sul da Sicília!
O homem no mesmo mutismo.
— E mais, a senhora é uma autêntica siciliana, ela está vestida de preto. Essas mulheres estão sempre de luto! Usam até mesmo quando seus periquitos engaiolados falecem!
O homem coça o queixo.
— E outra, olhe para os brincos e o crucifixo dela! É joalharia cafona da Sicília! Todas as mulheres sicilianas do campo usam esse tipo de joia ridícula! São todas um bando de carolas. Como se diz na França: são rãs de pias batismais! Você já me imaginou desembarcando em Paris com uma porcaria dessas penduradas nos lóbulos? É muito jeca!
Felizmente, o garçom chega com seus cafés, que eles bebem rapidamente. Em seguida, o casal se levanta depois de pagar os pratos consumidos. Espero que eles se afastem, para tecer um comentário:
— Antônio! Normalmente os homens escolhem uma amante muito mais jovem e bonita do que suas próprias esposas. Então, nesse caso, me pergunto o seguinte: ou a cônjuge do senhor é uma pessoa absurdamente feia; ou ela é uma criatura bonitinha, então é o cavalheiro que tem gostos turvos e perversos! Pode ser também que a caolha seja chegada a práticas sexuais anômalas…
Mais tarde, enquanto escovo os dentes no banheiro do hotel, imagino o casal adúltero fornicando num quarto de frente para o Grande Canal. Subitamente, tenho uma terrífica visão: vejo a caolha cavalgando seu par furiosamente. Na hora do prazer, ouço a gritar:
— São sicilianoooooooooooooooos!
Divertidissima crônica! Chantal, você realmente tem o dom!!
Muito obrigada! Beijos
Mônica, te mando um grande abraço
Amo o a seu estilo , seus escritos … este seu estilo próprio mesmo cansada consigo fazer a leitura com leveza. Muito bom 😊 parabéns 🎊
Fico feliz! Beijos
‘Sono pazzi questi francesi’, diria um carcamano como eu. Agora, uma francêsa-alagoana, é completamente impossível de definir.
Caro Mauro, seus recados sempre me divertem! Mando um abraço!